Renata Carvalho Derzié
Os crimes de perigo abstrato se justificam pela maior
sensação de proteção que eles trazem à sociedade como um todo, pois, ao
reprimirem condutas apenas potencialmente perigosas, mas que, de certa forma,
já assustam a população, dão uma maior sensação de segurança.
RESUMO
O trabalho trata da constitucionalidade dos crimes de
perigo abstrato, com enfoque no crime de porte de arma de fogo desmuniciada e
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
que tratam da matéria. A partir da tipificação dos crimes de perigo abstrato,
surgiram alguns problemas no Direito Penal, como a indagação sobre a lesividade
dos tipos neles previstos, assim como o questionamento acerca da efetiva
proteção penal que a incriminação destes tipos de delitos traz para a
sociedade. Mas o problema que terá enfoque central neste trabalho é a
tipicidade do crime de porte de arma de fogo desmuniciada, de acordo com a
análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de
Justiça.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1-A TUTELA PENAL DO BEM
JURÍDICO. 1.1-CONCEITO DE BEM JURÍDICO. 1.2-FUNÇÃO DO BEM JURÍDICO.
1.3-CLASSIFICAÇÃO DO BEM JURÍDICO PENAL. 1.3-OS BENS JURÍDICO-PENAIS EXTRAÍDOS
DOS VALORES CONSTITUCIONAIS. 2-OS CRIMES DE PERIGO. 2.1-CONCEITO DE PERIGO.
2.2-DIFERENCIAÇÃO ENTRE DOLO DE PERIGO E DOLO DE DANO. 2.3-SUBSIDIARIEDADE DOS
CRIMES DE PERIGO EM RELAÇÃO AOS CRIMES DE DANO. 2.4-CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DE
PERIGO. 2.4.1-Crimes de perigo concreto. 2.4.2-Crimes de perigo abstrato ou
presumido. 2.4.3-Crimes de perigo abstrato com presunção juris tantum.
2.4.4-Crimes de perigo abstrato-concreto. 2.4.5-Crimes de perigo comum e crimes
de perigo individual. 3-A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO.
3.1-DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS. 3.1.1-Princípio da legalidade.
3.1.2-Princípio da intervenção mínima. 3.1.3-Princípio da lesividade, da
ofensividade ou da materialização do fato. 3.1.4-Princípio da presunção de
inocência. 3.1.5-Princípio da culpabilidade. 3.2-A INCONSTITUCIONALIDADE DOS
CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. 3.3-A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO ABSTRATO.
4-A TIPICIDADE DO PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. 4.1-A POSIÇÃO DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. 4.2-A POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCLUSÃO.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
O Direito Penal, de acordo com o princípio da ultima
ratio, só deve tutelar os bens juridicamente mais relevantes para a sociedade,
dada a gravidade das suas sanções. Acontece que os bens jurídicos mais
relevantes são assim valorados a depender do contexto social em que se
encontram. [01]
Desta forma, a sociedade, segundo seus valores,
manifesta sua intenção de proteger determinados bens jurídicos e, em resposta,
o legislador proporciona a respectiva tutela legal, por meio, por exemplo, da
tipificação de crimes chamados de perigo abstrato.
Tais crimes, no entanto, não obedecem a uma estrutura
típica formal, além de irem de encontro com diversos princípios
constitucionais. Limita-se, por conseguinte, direitos fundamentais, como a
liberdade, com o intuito de corresponder às expectativas sociais, sem se valer
de técnica legislativa adequada.
Apesar da existência de ampla controvérsia
doutrinária, os crimes de perigo abstrato podem ser identificados como aqueles
em que não se exige nem a efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma,
nem a configuração do perigo em concreto a esse bem jurídico.
Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma
como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreto a
determinado bem jurídico, mas a mera possibilidade de dano.
Segundo o Ministro Gilmar Ferreira Mendes [02], no
RHC 89.889/DF, baseado em dados empíricos o legislador seleciona grupos ou
classes de ações em que, geralmente, levam consigo indesejado perigo ao bem
jurídico. Assim, os tipos de perigo abstrato descrevem ações que, segundo a
experiência, produzem efetiva lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico digno
de proteção penal, ainda que, concretamente, essa lesão ou esse perigo de lesão
não venha a ocorrer. O legislador, dessa forma, formula uma presunção absoluta
a respeito da periculosidade de determinada conduta em relação ao bem jurídico
que pretende proteger. O perigo, nesse sentido, não é concreto, mas apenas
abstrato. Não é necessário, portanto, que, no caso concreto, a lesão ou perigo
de lesão venha a se efetivar. O delito estará consumado com a mera conduta
descrita no tipo.
Os crimes de perigo abstrato presumem, de forma
absoluta, a criação do perigo pelo autor da conduta prevista no tipo
respectivo. Isto quer dizer que o agente é punido pela mera desobediência da
letra da lei, sem que se comprove a existência de qualquer lesão ou ameaça de
lesão ao bem tutelado, ou seja, de qualquer resultado jurídico/normativo. A
presunção legal de perigo e a tipificação elaborada vagamente, põem em dúvida a
sua constitucionalidade, bem como a dos crimes de perigo abstrato.
Isso porque se considera que esta presunção vai de
encontro a diversos princípios constitucionais penais, além de não respeitar a
estrutura básica do tipo e de ser expressão de uma técnica legislativa
reprovável, ainda mais quando suprimem garantias fundamentais do indivíduo.
A maior preocupação da doutrina e da jurisprudência
baseia-se no fato de se estar tutelando apenas um comportamento que tem
potencialidade lesiva, mas, muitas vezes, nem isso, podendo, assim, nunca
ocasionar um dano efetivo. Por essas razões indaga-se até que ponto esses
delitos são constitucionais e respeitam os princípios constitucionais penais,
os direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
O presente estudo buscará examinar a utilização dos
crimes de perigo abstrato como a forma encontrada pelo legislador para tentar
barrar a criminalidade oriunda da sociedade posta na atualidade, bem como a
constitucionalidade desses delitos, tendo como exemplo a tipificação do porte
de arma de fogo desmuniciada. Também se investigará se esse tipo de crime se
justifica, especialmente em face da Constituição, tendo em conta seus valores,
princípios e uma política criminal que vise a concretizá-los.
Assim, analisar-se-á a forma pela qual a sociedade
contemporânea vem se caracterizando, as justificativas utilizadas pelo
legislador para criminalizar condutas de perigo, a ofensividade de tais delitos
aos princípios constitucionais. Após, ver-se-ão as diferenças entre os crimes
de perigo e os crimes de dano, os conceitos de crimes de perigo concreto e
abstrato, e a fundamentação da existência e abundância deste último nas
legislações penais da sociedade contemporânea, além das violações que acarreta
ao Direito Penal Clássico.
A premissa desse estudo é o Direito Penal
liberal-democrático, que encontra fundamento no Estado Democrático de Direito,
no princípio basilar da dignidade da pessoa humana e seus direitos fundamentais
e em certos princípios penais daí decorrentes, ligados à uma política criminal
que vise à proteção de bens jurídicos que respeite os direitos fundamentais do
homem, restringindo-os de modo tanto moderado, principalmente a liberdade, na
medida necessária, o quanto baste, para tutelar os bens jurídicos
imprescindíveis à vida em comunidade.
1. A TUTELA PENAL DO BEM JURÍDICO
1.1. Conceito de bem jurídico
Atualmente, não há resistência alguma entre os
autores de Direito Penal sobre a importância do estudo do bem jurídico, muito
pelo contrário, há uma marcada e invariável concordância entre eles de que a
intervenção penal só se justifica para tutelar bens jurídicos. Daí ser tão
importante a sua conceituação.
No entanto, a conceituação de bem jurídico não
encontra muito consenso na doutrina.
De acordo com o ensinamento de Pontes de Miranda
[03], bem jurídico é aquele que, por ser relevante para o direito, entrou para
o mundo jurídico. É o bem que, por ter sido selecionado como essencial,
tornou-se portador de tutela jurídica.
Existem conceitos imanentes, que são aqueles
decorrentes da norma, e conceitos transcedentais, que são aqueles independentes
da norma, conceitos autônomos, como falava Franz von Liszt [04], que entendia
que a norma não constituía o bem jurídico, mas reconhecia-o. O bem, desta
forma, seria preexistente à norma.
Vonz Liszt [05] buscava estabelecer uma conceituação
com respaldo nas relações sociais, afirmando que o bem jurídico não era criado
pelo legislador, mas por este reconhecido. O autor recebeu a crítica de Rocco
[06], por não distinguir bem de interesse.
Polaino Navarrete [07] faz sua definição nos seguintes
termos: "Em suma, o ‘bem jurídico’ pode ser definido de forma sintética, a
nosso juízo, como o bem ou valor merecedor da máxima proteção jurídica, cuja
outorga é reservada às prescrições do direito penal".
Já Jakobs preocupa-se com a eficácia da norma e com o
sistema, concebendo a partir daí uma posição que significa infirmar a doutrina
do bem jurídico. [08]
Na busca da definição de bem jurídico, não se pode
deixar de levar em consideração que o homem, que a sociedade vive em função de
valores, de modo que as ações que empreendem a respeito de situações, fatos,
coisas e também de pessoas são produtos de valorações. Desse modo, se algum
valor for de tal relevância que mereça a proteção penal, configurará um bem
jurídico-penal.
Sábia é a definição de Francisco de Assis Toledo,
para quem "bens jurídicos são valores éticos-sociais que o direito
seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção
para que não sejam expostos a perigo de ataque ou lesões efetivas". [09]
No mesmo sentido está a lapidar lição de Claus Roxin,
segundo a qual em:
"cada situação histórica e social de um grupo
humano os pressupostos imprescindíveis para uma existência em comum se
concretizam numa série de condições valiosas como, por exemplo, a vida, a integridade
física, a liberdade de actuação ou a propriedade, as quais todo o mundo
conchece; numa palavra, os chamados bens jurídicos" [10].
Fragoso entende que o bem jurídico "é o bem
humano ou da vida social que se procura preservar, cuja natureza e qualidade
dependem, sem dúvida, do sentido que a norma tem ou que a ela é atribuído,
constituindo, em qualquer caso, uma realidade contemplada pelo direito"
[11].
É importante ressaltar que há bens que foram
selecionados e tutelados pelo direito, os bens jurídicos em sentido lato, e
outros que, por terem maior importância, são tutelados pelo direito penal, o
que significa dizer que há relevante diferença entre o conceito de bem jurídico
e de bem jurídico-penal, já que nem todos os bens jurídicos são dignos de tutela
penal [12]. É necessário que se tenha em vista os princípios da
fragmentariedade e da subsidiariedade do direito penal.
De acordo com o princípio da fragementariedade, o
direito penal não atua sobre toda a realidade fática, mas seleciona os bens que
entende mais importantes para proteger, desde que comprovada a lesividade e a
inadequação das condutas que os ofendem.
O direito penal não está autorizado a proteger todos
os interesses juridicamente relevantes, mas somente aqueles mais essenciais, e
em face dos ataques mais graves.
Sendo assim, o direito penal somente é chamado a
atuar em condições excepcionais e quando verificados certos fatores. O primeiro
diz respeito à dignidade penal do bem jurídico, que é determinada a partir do
grau de relevância que o referido bem adquire na sociedade, o que faz com que
este receba a qualificação de bem jurídico-penal e exija a tipificação das
condutas que o afetam. Para essa análise, é essencial o significado conferido
ao princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, pois somente os bens
imprescindíveis ao desenvolvimento do cidadão e de sua personalidade é que
poderão ser considerados dignos da tutela penal [13].
Além de atentar contra um bem jurídico-penal, a
conduta deve ofendê-lo e dessa ofensividade é que decorre que seja grave a
lesão e considerável o dano.
Portanto, o fundamento do direito penal material, e
que o legitima, é a proteção de valores que se expressam nos bens jurídicos.
Assim, o bem jurídico-penal pode ser conceituado como o "bem valorado como
essencial à convivência social de certa comunidade, em dado momento histórico,
e por isso tutelado pela norma penal" [14].
1.2. Função do bem jurídico
A noção de bem jurídico não se exaure em um simples
conceito. Ainda que a definição das suas funções não seja consensual, é
importante relacionar algumas.
Primeiramente, as condutas tipificadas no Código
Penal são feitas a partir de uma seleção de bens jurídicos. A tipicidade não
constitui mero indício de ilicitude, mas representa a seleção de um fato
extraído da vida real e que é considerado nocivo á convivência social [15].
Para Assis Toledo:
"o tipo penal é um modelo abstrato de
comportamento proibido. É, em outras palavras, descrição esquemática de classe
de condutas que possuam características danosas ou ético-socialmente
reprovadas, a ponto de serem reputadas intoleráveis pela ordem jurídica"
[16].
O bem jurídico busca, portanto, respaldar o trabalho
de seleção das figuras penais incriminadoras, que somente se justificam na
medida em que tutelem valores essenciais da sociedade, afastando, por
conseguinte, incriminações de mero dever. [17] O proibido servirá a tutelar
algum valor que seja significativo para a comunidade.
Além da função acima referida, o bem jurídico tem
também a função crítica, [18] que se consubstancia na consideração pré-jurídica
que se deve ter do bem, porquanto o direito é um produto cultural e vivido
antes mesmo de ser normatizado. Na verdade, a função seletiva só se faz
possível por meio da função crítica de bens que deve vir antes daquela,
porquanto somente após o adequado trabalho crítico é que se chega ao trabalho
selecionador de bens merecedores de tutela penal.
No entanto, de acordo com Ângelo Roberto Ilha da
Silva:
"a função crítica não deve estar presente apenas
como suporte para criminalizar novas condutas lesivas que venham a surgir, mas
permanecer presente, possibilitanto, assim, descriminalizar condutas antes
previstas como ilícito penal, mas que tenham perdido o seu significado de
danosidade social". [19]
Há que se fazer referência, também, a uma função
limitadora ou de garantia, porquanto, como se extrai do Código Penal, os crimes
ali descritos são sempre crimes contra alguém ou contra algo que se procura
preservar. Ademais, conforme leciona Ângelo Roberto Ilha da Silva, "ilícitos
tuteladores de bens jurídicos de cunho estritamente ético devem ser
descaracterizados, pelo menos em nível penal". [20]
Luiz Regis Prado, ao fazer referência à função de
garantia ou de limitação ao direito de punir, afirma que "o bem jurídico é
erigido como conceito limite na dimensão material da norma penal". [21]
Importante destacar, ainda, a função dogmática
referida por Fiandaca e Musco, que terá como efeito a atipicidade da conduta
que não configure lesão a algum bem [22]; a função humanizadora, tratada por
Mauricio Antônio Ribeiro Lopes e indicada por Roxin, "como especialização
da função de garantia ao expor que só se podem punir as lesões de bens
jurídicos se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada" [23];
e a função teleológica ou interpretativa, como critério de interpretação de lei
penal e que tem nítido caráter dogmático-prático.
O bem jurídico assume, ainda, outra importante função
de orientação do operador do direito, seja do órgão do Ministério Público, seja
do juiz ou do defensor, frente a casos de diminuta significância lesiva,
porquanto não deve o direito penal ocupar-se de bagatelas, tampouco deve haver
intervenção penal em campo que não o exclusivo da tutela do bem jurídico. Esta
função está intimamente ligada com o tão falado e pregado princípio da
insignificância, segundo o qual a lesão ínfima ao bem jurídico tutelado carece
de tipicidade material.
Uma última função enunciada por Ângelo Roberto Ilha
da Silva, que merece destaque e que está mais afeta ao julgador, está no delito
tentado, no qual o modelo típico é
"dado pelo tipo previsto na parte especial do
Código Penal ou da lei especial somada à regra do art. 14, II, do CP. Em tal
caso, a lei prevê uma pena diminuída de um a dois terços em relação ao crime
consumado. Nesse caso, ao aplicar a pena, o julgador terá em conta, além de
outros fatores, o nível de afetação do bem jurídico". [24]
Nas palavras de Ângelo Roberto Ilha da Silva,
"em torno de todas as funções mencionadas está
implícito o axioma fundamentador e, por conseguinte, legitimidador das
incriminações, ou seja, a dedução de que o legislador só poderá incriminar, de
forma subsidiária, condutas lesivas a bens fundamentais e imprescindíveis à
vida em comunidade. Quando se fala em condutas lesivas, tem-se em consideração
tanto a lesão efetiva quanto a exposição a perigo". [25]
1.3. Classificação do bem jurídico-penal
Levando-se em consideração que o bem jurídico deve
ser detentor de uma enorme importância, é necessário esclarecer para quem deve
ser dirigida essa relevância: para o homem, para a coletividade ou para ambos.
A partir dessa análise, surgem três diferentes
posicionamentos na doutrina: a concepção dualista, a monista-pessoal e a
monista-estatal ou monista coletivista.
Para os que defendem a teoria monista-estatal ou
monista-coletivista do bem jurídico, todos os bens jurídicos são reflexos de um
interesse do Estado ou da coletividade. [26] Bens jurídicos individuais não
seriam reconhecidos enquanto tais, porquanto o indivíduo somente será protegido
na medida em que isso interessasse ao Estado ou à coletividade. [27] Esta é uma
posição extremista, que tem como precursor Binding.
Em contrapartida, para a concepção monista-pessoal do
bem jurídico, o que se tem em foco são os interesses individuais. Os bens jurídicos
da coletividade somente serão reconhecidos legítimos na medida em que se
referirem a bens jurídicos individuais, o que significa dizer que essa
categoria, por si só, não é objeto de tutela por meio do direito penal. Nesse
sentido é o ensinamento de Von Liszt e Hassemer, para quem todos os bens
jurídicos são bens das pessoas. [28]
Por fim, a terceira corrente, que defende a concepção
dualista do bem jurídico, estabelece que há bens jurídicos tanto individuais
quanto coletivos, sendo que não se podem reduzir os bens jurídicos individuais
à sua dimensão ou interesse coletivo, estando vedado também pensamento em
sentido contrário, de reduzir bens jurídicos coletivos em individuais.
1.4. Os bens jurídico-penais extraídos dos valores
constitucionais
Com base no Estado Democrático Brasileiro consagrado
pela Constituição da República Federativa do Brasil, é que se deve analisar a
legitimidade dos crimes de perigo abstrato em face desta.
É de notar-se que há um núcleo comum consistente no
Estado de Justiça, e na especial consideração da dignidade da pessoa humana com
suas consequências, e isso advém de uma conquista do pensamento iluminista que
norteia a generalidade dos Estados Democráticos ocidentais, que erige o valor
central e os demais valores fundamentais sempre a gravitar em torno desse valor
primordial, como consequência. Portanto, há um espaço comum nas Constituições
ocidentais, de marca democrática, que consagram invariavelmente a dignidade da
pessoa humana, a liberdade, o Estado Democrático de Direito e outros, que
constituem consequência lógica.
Um conceito material de Constituição, assim
entendida, no magistério de Canotilho [29],
"seguindo as sugestões de uma cultura
constitucional fortemente radicada – a italiana – o conjunto de fins e valores
constitutivos do princípio efectivo da unidade e permanência de um ordenamento
jurídico (dimensão objectiva), e o conjunto de forças políticas e sociais
(dimensão subjectiva) que exprimem esses fins ou valores, assegurando a estes
respectiva prossecução e concretização, algumas vezes para além da própria
constituição escrita".
A consideração da Constituição em seu aspecto formal
é que irá possibilitar deduzir os parâmetros que subjazem ao estabelecimento de
seus valores.
Partindo do exame de valores ou sistema de valores,
busca-se desvelar "opções ético-sociais da comunidade jurídico-política
representada naqueles valores", [30] em conjunto com o valor da dignidade
da pessoa humana e outros deste decorrentes, tais como a vida, a liberdade, a
igualdade, a integridade física e moral e alguns bens jurídicos coletivos
fundamentais, havendo forte embate doutrinário quanto a estes últimos, os
coletivos fundamentais, no que diz com sua tutela por meio da intervenção
penal. [31]
Em síntese, pode-se afirmar que é possível auferir
valores constitucionais por meio do estabelecimento de um sistema de valores
fundado em um esquema constitucionalmente proposto, e que consiste em
estabelecer uma leitura do conteúdo material da Constituição e dar-lhe uma
interpretação teleológica tendente a concretizar objetivos ético-sociais.
No que tange ao risco de sacrificar-se um bem de
hierarquia superior ao bem violado, parece ser inerente à necessidade de tutela
de bens constitucionalmente essenciais, porquanto, se assim não fosse, bastaria
que o agente infrator optasse por violar bens hierarquicamente inferiores à
liberdade para ver franqueada em seu favor uma condução delituosa. [32] No
entanto, deve-se ressaltar o ensinamento de Bricola [33], que afirma que a
"sanção penal pode ser adotada somente em presença da violação de bem, o
qual, senão de igual grau relativamente ao valor (liberdade pessoal)
sacrificado, seja ao menos dotado de relevância constitucional".
É verdade que todo ser humano no gozo de suas
faculdades mentais possui como valores fundamentais a liberdade, a
auto-determinação e a responsabilidade, de modo que, em último nivel, se ele
não for responsável na condução da sua liberdade, acabará tendo esta negada,
justamente em detrimento de quem sofre os efeitos da liberdade indevidamente
utilizada pelo infrator. Não fora isso, a liberdade transcende o valor
constitucional, constituindo, a um só tempo, um valor e também um princípio e,
enquanto princípio constitucional, não obstante, não se traduz como princípio
absoluto como, aliás, qualquer outro.
2. OS CRIMES DE PERIGO
Os crimes de perigo, como serão estudados adiante,
são aqueles que expõem a perigo um bem jurídico tutelado pela lei penal, ou
seja, cujo preceito de não turbação ao bem jurídico tenha por consequência uma
pena. [34]
Para Luzón Pena, os delitos de perigo consumam-se sem
necessidade de lesão, com o simples perigo – inseguridade e probabilidade de
lesão – do bem jurídico, supondo portanto um adiantamento das barreiras de
proteção a uma fase anterior à da lesão; normalmente procedem da expressa
tipificação de um conduta imprudente (de qualquer classe ou somente por
imprudência consciente), sem necessidade de que se chegue à lesão e com ela à
consumação do delito imprudente, e supõem portanto uma exceção à regra geral da
impunidade das formas de imperfeita execução na imprudência. [35]
Crime de perigo é, pois, aquele que, sem destruir ou
diminuir o bem jurídico tutelado pelo direito penal, representa uma ponderável
ameaça ou turbação à existência ou segurança de ditos valores tutelados, haja
vista a relevante probabilidade de dano a estes interesses.
Nas palavras de Rogério Greco, os
"crimes de perigo, que podem ser subdivididos em
perigo abstrato e perigo concreto, constituem uma antecipação da punição levada
a efeito pelo legislador, a fim de que o mal maior, consubstanciado no dano,
seja evitado. Assim, podemos dizer que, punindo-se um comportamento entendido
como perigoso, procura-se evitar a ocorrência do dano". [36]
Segundo a doutrina majoritária, nesse tipo de delito
o agente deverá agir com dolo, pois que não existe a ressalva exigida ao
reconhecimento do comportamento culposo, conforme determina o parágrafo único
do art. 18 do Código Penal.
2.1. O CONCEITO DE PERIGO
Há autores que entendem o perigo como sendo sempre
uma abstração, o que torna imprópria a diferenciação entre perigo concreto e
perigo abstrato. No entanto, para outros autores, o perigo é sempre concreto,
por tratar-se de "uma probabilidade de um evento concreto" [37].
Diferentemente entende Eugenio Raúl Zaffaroni, para
quem "todos os perigos são ‘concretos’ e todos os perigos são abstratos,
segundo o ponto de vista que se adote: ex ante são todos concretos, ex post são
todos abstratos". [38] Pelo que se observa, a diversidade de compreensão
da noção de perigo, sob esse primeiro aspecto, ou seja, de saber se é concreto
ou abstrato, não sinaliza para um possível entendimento pacífico.
É de se observar que o direito extrai, ou seja,
recorta da realidade as situações de perigo e as traz, em função da sua relevância,
para o mundo jurídico, ou seja, por basear-se na realidade, o direito não
inventa situações de perigo, mas seleciona-as mediante determinados critérios
baseados na experiência. [39]
É claro que o perigo existe, independentemente da
forma como tratado. Contudo, certos riscos são relevantes para o direito,
outros não. Dessa forma, abstraindo as considerações metajurídicas, será
perigoso (para o mundo jurídico) o que a lei assim considerar, o que demonstra
o caráter normativo do conceito de perigo, ainda que não se negue o ontológico.
[40]
A doutrina indica três teorias que tratam do conceito
de perigo: a subjetiva, que tem como expoentes Janka, Von Buri e Finger; a
obejtiva, que tem em Hälschner, Merkel, Von Kries, Binding, Von Liszt, Florian,
Jannitti di Guyanga, Maggiore, Carnelutti, Ranieri e Madureira de Pinho seus
seguidores; e a intermediária, defendida por Oppenheim.
Para a teoria denominada subjetiva, o perigo,
objetivamente, não existe, ele é mero fruto da imaginação, decorrente da falha
do nosso conhecimento, mera hipótese, uma representação mental oriunda do temor
e da ignorância do homem, uma sensação que, sendo mero objeto do imaginário,
não existe concretamente. [41]
Já a teoria objetiva prega que não é o perigo mero
ente da imaginação, mas um ente real e objetivo, constituindo parte da
realidade.
Por fim, a posição intermediária concilia as duas
concepções anteriores, defendendo que o perigo é ao mesmo tempo objetivo e
subjetivo, ou seja, existe como realidade, e precisamente por isso é perceptível,
revelando-se aí o aspecto subjetivo. [42]
Miguel Reale Júnior, baseando-se na obra de Rocco,
define o perigo como sendo "a aptidão, a idoneidade de um fenômeno de ser
causa de dano, ou seja, é a modificação de um estado verificado no mundo exterior
com a potencialidade de produzir a perda ou diminuição de um bem, o sacrifício
ou a restrição de um interesse". [43]
Avançando o debate, a doutrina procurou lançar os
contornos da questão da configuração do perigo indagando se seria necessária
somente a possibilidade de dano ou se haveria necessidade da presença de uma
probabilidade, prevalecendo a corrente que sustenta ser necessária a
probabilidade, contentando-se a corrente minoritária com a mera possibilidade.
A probabilidade situa-se em um nível mais intenso em
confrontação com a possibilidade, configurando uma situação de real
potencialidade para a ocorrência do evento, excluindo a eventualidade. Abrange
o provável, enquanto a mera possibilidade admite também o improvável.
2.2. DIFERENCIAÇÃO ENTRE DOLO DE PERIGO E DOLO DE
DANO
O dolo de perigo não se confunde com o dolo de dano,
tampouco com culpa consciente, assumindo um conceito autônomo. Mas existem
autores, dentre eles pode-se citar Basileu Garcia e David Baigún, que vêem no
dolo de perigo um dolo eventual de dano.
Para que se configure o dolo de perigo, o agente deve
estar ciente de sua conduta, do resultado potencialmente lesivo, ou seja, da
exposição de perigo ao bem penalmente tutelado e do liame de causalidade entre
aquela e este. Deve, pois, ter conhecimento da possibilidade do implemento do
dano, sem que este seja perseguido ou mesmo admitido por ele. O agente labora
exclusivamente em busca de impor à vítima uma situação de perigo. [44]
Para alguns autores, o dolo de perigo será forçosamente
dolo necessário, haja vista o perigo "constituir" consequência
inevitável da conduta. O agente prevê, aceita e atua em favor do implemento do
perigo, mas sem desejar o dano, contudo não deixa de agir, ou seja, basta que o
agente tenha consciência do perigo e não se abstenha de sua conduta, sabendo
ser impossível levá-la a efeito sem impor o perigo. O agente não quer o dano,
sabe-o possível sem aceitá-lo, mas não se demove de sua ação, agindo, assim, em
prol do perigo.
Tendo em visa a precisão necessária do dano, mas não
a sua aceitação, é que se fala em dolo de perigo como sendo necessário e, não
em crime de perigo, necessariamente perpretado com dolo de perigo, pois há
crimes de perigo que podem ser praticados com dolo de dano.
No entanto, existem incriminações que, pela forma
como tipificadas, só podem ser informadas pelo dolo de perigo, como, por
exemplo, o perigo de contágio venéreo na forma simples (art. 130, caput, do
CP). [45]
Em suma, o crime de perigo somente exige o dolo de
perigo quando for assim construído, ou seja, sob o reclamo do modelo legal, mas
quando essa situação subjetiva ocorre é porque é inseparável do fato, por isso
o dolo de perigo é necessário. Não é o crime de perigo que necessariamente deve
consumar-se com o dolo de perigo do agente, mas, caso presente este, é porque
se faz necessário, imprescindível ao fato. [46]
É importante que se diga a semelhança entre o dolo de
perigo e a culpa consciente. Na lição de Rui Carlos Pereira:
"o dolo de perigo implica sempre a existência de
negligência consciente do dano. Porém, não se pode identificar com ela, por
haver situações de negligência consciente que não documentam a sua própria
existência (em que haja um juízo de reflexão negativo ou em que a previsão seja
imediatamente desalojada da consciência)". [47]
O dolo, ademais, abrange todos os elementos do tipo,
quais sejam: conduta, resultado de periclitação ao bem jurídico e nexo causal,
além do desejo de expor o bem jurídico ao perigo. De outro lado, o que
caracteriza a culpa consciente como criminosa é o resultado, bastando a
consciência deste e não o seu implemento. No crime com culpa consciente de
perigo, o agente não admite sequer esse resultado.
Além dessa diferenciação, por conta do dolo de
perigo, é importante diferenciar o crime de perigo do crime tentado, haja vista
que eles são objetivamente idênticos, pois em ambos não é atingido um resultado
danoso ao bem jurídico tutelado pela norma.
Entretanto, há um distinção subjetiva entre eles,
porquanto na tentativa o dolo é de dano (consumando), o agente busca o dano,
ele o deseja, ao passo que no crime de perigo muitas vezes o agente não admite
o dano, mas prevê e aceita o perigo, com exceção daquelas hipóteses em que o
legislador constrói o tipo de perigo cujo elemento subjetivo seja o dolo de
dano. [48]
2.4. SUBSIDIARIEDADE DOS CRIMES DE PERIGO EM RELAÇÃO
AOS CRIMES DE DANO
Parte da doutrina entende que os crimes de perigo são
subsidiários em relação aos crimes de dano, pois, como muito bem pontua Walter
Coelho [49] "diante da relevância do bem jurídico tutelado, estende o
Direito Penal a sua proteção desde a remota e potencial situação perigosa
(contravenção), passando pelo perigo iminente ou próximo (crime de perigo), até
a efetiva lesão do interesse a ser resguardado".
Para Diego Romero, com
"esta medida pretende a lei penals proteger o
bem ou interesse jurídico que entende relevante para determinado grupo social,
circunscrevendo todo seu âmbito com a proteção do Estado, presecrevendo crimes
de perigo somente nos casos em que o bem jurídico necessita eminentemente de
proteção. Esta questão da subsidiariedade fica clara quando enfocamos os crimes
contra a vida, nos quais temos proteções desde o âmbito do mínimo perigo,
conforme o art. 10 da Lei 9.437/97 (atirar com arma de fogo para o alto),
passando para o artigo 132 (expor a vida a perigo), depois para o art. 129
(lesão corporal) e culminando na lesão máxima prevista no artigo 121
(homicídio), todos do Código Penal". [50]
2.5. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES DE PERIGO
Ao se fazer uma comparação entre a legislação pátria
e o direito norte americano, pode-se notar que este se encontra muito mais
avançado do que aquela, que ainda está desenvolvendo a sua base. No direito
norte-americano existe uma regulamentação muito mais ampla e abrangente, tendo
inclusive precedentes jurisprudenciais sobre o tema, sendo que o mesmo não
ocorre no Brasil, que sequer tem leis publicadas que tratem da questão.
2.4.1-Crimes de perigo concreto
Os crimes de perigo concreto caracterizam-se pela
necessidade de comprovação real da existência da criação da situação de perigo
ao objeto protegido pela norma. [51]
O fundamento da punição dos crimes de perigo concreto
encontra-se no fato de "o legislador querer, sem dúvida, proteger
determinado bem jurídico e pode fazê-lo porque considera que o pôr em perigo é
elemento bastante para justificar uma pena criminal", como acentua Jose
Francisco de Faria Costa. [52]
Diego Romero entende que
"tais delitos são de resultado como os delitos
de lesão, mas sua verificação importa em critérios de imputação divergentes,
pois em vez de apresentarem um resultado lesivo de dano, apresentam um
resultado de criação de perigo de resultado de dano, de assunção de risco de
lesão não permitido pela norma". [53]
Em princípio, Angioni parte da premissa de que o
juízo acerca dos crimes de perigo deve passar por três avaliações: a do momento
da conduta típica, a do momento do resultado de perigo e a do momento do
processo penal, de modo que quando a análise é feita antes do processo penal,
fala-se numa perspectiva ex ante, enquanto a verificação, no curso do processo
penal, deve ser tanto ex ante quanto ex post. [54]
Nos crimes de perigo concreto, a realização do tipo
pressupõe efetiva produção de perigo para o objeto da ação, de modo que a
ausência de lesão para o objeto atual da tutela penal pareça meramente obra do
acaso. Juarez Cirino dos Santos aduz que "segundo a moderna teoria
normativa do resultado de Schünemann, o perigo concreto se caracteriza pela
ausência causal do resultado, e a causalidade representa circunstância em cuja
ocorrência não se pode confiar". [55]
Na lição de Diego Romero,
"para a caracterização dos crimes de perigo
concreto faz-se necessário a coexistência de no mínimo três situações, a saber:
primeiramente, é fundamental existir um objeto tutelado que entre no âmbito de
conhecimento e volição daquele que pratica determinada ação que acaba expondo
tal objeto a perigo de dano; em segundo lugar, esta ação realizada deve criar
real e individual perigo de dano ao objeto da ação; e em terceiro lugar, do
ponto de vista do bem jurídico, esta exposição concreta a perigo traduz-se em
uma situação em que, apresenta-se provável a causação de uma lesão, que não
pode ser evitada de forma alguma". [56]
Miguel Reale Júnior leciona que os "comportamentos
são sempre fundados em um valor ou presos a um desvalor, de modo que a norma se
dirige, não à exteriorização da ação, mas ao comportamento no seu todo".
[57]
O fato indicativo do comportamento desvalioso ou não
do agente será o fato que deve ter por referência o bem jurídico.
Em síntese, os crimes de perigo concreto
caracterizam-se pela exigência de constatar-se o perigo caso a caso e têm, em
regra, o perigo indicado no tipo. Em determinados casos, ainda que o perigo não
esteja indicado no tipo expressamente e este seja impreciso, aberto, não poderá
configurar crime de perigo abstrato. Ou seja, ausente a taxatividade,
dever-se-á, para adequar-se às exigências constitucionais, e para que a
legitimidade não reste arranhada, considerar a infração penal como sendo de
perigo concreto. [58]
2.4.2-Crimes de perigo abstrato ou presumido
Os crimes de perigo abstrato ou presumido são aqueles
cujo perigo é ínsito na conduta e presumido, segundo a doutrina majoritária,
juris et de jure. Eles prescindem da comprovação da existência da situação em
que se colocou em perigo o bem jurídico protegido.
Para a sua configuração não se exige a comprovação do
perigo real, pois este é presumido pela norma. Basta "a perigosidade da
conduta, que é inerente à ação" [59]. Para que haja a punição não é
necessário que a conduta praticada pelo agente seja apta a causar nenhum dano
ou perigo concreto de dano ao bem jurídico-penal.
Na técnica de tipificação dos delitos de perigo
abstrato, deve-se atender a uma necessidade decorrente da natureza das coisas,
ou seja, as figuras delituosas tipificadas como de perigo abstrato devem
atender ao reclamo de tutela baseado na lesividade que a ação encerra, em razão
da inerência do perigo que guarda em si. [60]
Nas palavras de Pierpaolo Cruz Bottini,
"a expansão do direito penal atual prima pela
utilização dos crimes de perigo abstrato como técnica de construção legislativa
empregada para o enfrentamento dos novos contextos de risco. Pode-se afirmar
que os tipos de perigo abstrato constituem o núcleo central do direito penal de
risco. A configuração da sociedade contemporânea, o surgimento dos novos riscos
e suas características respondem por este fenômeno, por diversos motivos".
[61]
Uma das razões que justificam a proliferação dos
crimes de perigo abstrato é o alto potencial lesivo de algumas atividades e
produtos, que são oriundos dos resultados desencadeados pela utilização de
novas tecnologias, que afetam, ou têm o potencial de afetar um volume crescente
de bens jurídicos.
Sob esse ponto de vista, o que importa é evitar o
resultado ou controlar as condutas, e não reprimir os resultados, que trariam
um prejuízo enorme para a coletividade.
Pierpaolo Cruz Bottini aduz que
"não interessa ao gestor de riscos atuar após a
ocorrência da lesão, mas antecipar-se a ela, diante da magnitude dos danos
possíveis. Nestas circunstâncias, a norma penal surge como elemento de
antecipação da tutela, sob uma perspectiva que acentua o papel preventivo do
direito. Para isso, o tipo penal deve estar dirigido à conduta e não ao
resultado. A atividade, em si, passa a ser o núcleo do injusto. A insegurança
que acompanha estas condutas, e a extensão da ameaça, levam o legislador a
optar pela norma de prevenção, através de descrições típicas que não reconheçam
o resultado objetivo como elemento integrante do injusto, ou seja, através dos
tipos penais de perigo abstrato". [62]
Nota-se que os crimes de perigo abstrato não buscam
responder a determinado dano ou prejuízo social realizado pela conduta, como
forma de vingança institucionalizada pela lesão do objeto protegido pela lei,
como era no Direito Penal Clássico, mas evitá-la, barrá-la, protegendo o bem
jurídico de lesão antes mesmo de sua exposição a perigo real, concreto, efetivo
de dano. Ao se utilizar dessa modalidade delitiva, o Direito Penal atual busca
proporcionar a sensação de segurança à sociedade.
Gunther Jakobs [63], com base nessa visão, ensina que
as condutas punidas por meio dos delitos de perigo abstrato são aquelas que
perturbam não somente a ordem pública, mas lesionam um direito à segurança.
Prossegue Jakobs doutrinando que
"o legislador costuma concretizar centralmente
os postulador normativos, e o faz de tal modo que ele mesmo descreve – também
sem mencionar de modo algum o resultado desejado da ação – a configuração dos
comportamentos contrários à norma e com isso, o que vai se produzir
descentralizadamente fica reduzido à simples de em que caso se dá tal
configuração de comportamento. Assim, a lei proíbe coisas muito diferentes,
desde o falso testemunho até a condução de veículo sob a influência de bebidas
alcoólicas, e o faz também quando o indivíduo não vê resultado perigoso de seu
comportamento, e quiçá, tampouco poderia vê-lo: nesses crimes de perigo
abstrato, o tipo de comportamento se define como não permitido por si mesmo, é
dizer, centralizadamente, sem atender a especialidades não centrais".
Outro fenômeno do direito penal do risco que
contribui para a aparição significativa dos delitos de perigo abstrato é a
proteção, cada vez mais acentuada, de bens jurídicos coletivos.
Por outro lado, da mesma forma que o legislador
utiliza os delitos de perigo abstrato para restringir os riscos em atividades
de alto potencial lesivo, em situações em que a relação de causalidade é de
difícil comprovação, ou para proteger bens de índole coletiva, também se
verifica a construção destes tipos penais para o enfrentamento de outro
fenômeno da sociedade atual: os novos contextos de risco interacional. [64]
Para Pierpaolo Cruz Bottini, é fácil de entender
"o porquê da massificação dos delitos de perigo
abstrato no direito penal do risco. Os novos âmbitos de periculosidade, com
suas características inéditas, direcionam a atividade legislativa ao emprego
desta técnica de tipificação, daí sua presença representativa nos diplomas
legais contemporâneos. O perigo abstrato representa o sintoma mais nítido da
expansão do direito penal, na ânsia por fazer frente aos temores que acompanham
o desenvolvimento científico e econômico da atualidade". [65]
Nesse tipo de delito, o legislador busca facilitar as
vias para a punição criminal, pois há renúncia da prova do dano e do nexo
causal entre a conduta e o resultado, já que este é presumido, na busca de uma
efetiva repressão ao crime. [66]
2.4.3-Crimes de perigo abstrato com presunção juris
tantum
As três últimas classificações dos crimes de perigo
aqui tratadas não são tratadas por toda a doutrina, que se atém simplesmente
aos crimes de perigo concreto e aos crimes de perigo abstrato, tendo sido
extraídas da obra de Ângelo Roberto Ilha da Silva, por serem relevantes para
fins didáticos.
Pondera-se que os crimes de perigo abstrato, ás
vezes, devem gozar de presunção juris tantum no que tange à vulneração do bem
jurídico, porque casos há em que o bem tutelado não se mostra concretamente
ameaçado, o que teria como efeito a descaracterização do delito. [67]
Para parte da doutrina, como Rabl, Schröder, U.
Weber, Patalano, Beristain, nos crimes de perigo presumido as condutas
genericamente perigosas admitiriam prova em contrário no caso concreto.
Patalano faz a sua crítica com base no princípio da
igualdade tratado no art. 3º da Constituição italiana, entendendo que este
restaria violado em razão do fato de se tratarem igualmente situações diversas
em que umas se apresentam "seguramente ofensivas" a um bem jurídico e
outras se apresentem sem possibilidade de ofensa, no caso concreto. Segundo o
autor, tal tratamento, além de afrontar o princípio da igualdade, seria
destituído de razoabilidade. [68]
No outro extremo está Zaffaroni, que entende que a infração
penal jamais poderá assumir presunção absoluta do perigo nas hipóteses do
delito em questão, afirmando que "podemos admitir com respeito ao perigo
‘abstrato’ é que são tipos em que opera uma presunção juris tantum do
perigo". [69]
Já para Kindhäuser, a possibilidade de contraprova
nos delitos de perigo abstrato no caso concreto seria incorrer em uma inversão
ilegítima do ônus da prova e uma contradição ao princípio in dubio pro reo.
[70]
João Mestieri defende uma posição intermediária,
pregando que existem crimes de perigo abstrato, uns como presunção absoluta,
outros com presunção relativa da ocorrência do perigo. Como exemplo dos
primeiros ele cita a rixa (art. 137 do CP), e dos últimos o abandono de incapaz
(art. 133 do CP) e os maus-tratos (art. 136 do CP). [71]
Ângelo Roberto Ilha da Silva defende que tratando-se
"de crime de perigo abstrato, em que o perigo é
(deve ser) ínsito na conduta, hipótese verdadeiramente possível de presunção
relativa ocorre quando o legislador, de forma equivocada, empreende uma
tipificação sem atender ao bom senso e à natureza da ação criando um modelo de
perigo abstrato de forma artificial, ou seja, em situações nas quais o perigo
não é, no plano da realidade, inerente à conduta. Noutras palavras, o delito se
ajustaria a um modelo de perigo concreto em que o perigo poderá ocorrer ao
desencadear a conduta, mas não necessariamente ocorre, e o exemplo mais
exclarecedor é o do avanço do semáfaro vermelho". [72]
No entanto, como regra, os delitos de perigo abstrato
devem manter a presunção absoluta, pressupondo que esteja adequadamente
tipificados.
Concluindo, haverá espaço para os tipos de perigo
abstrato com presunção relativa, principalmente no caso de o legislador ter
sido infeliz na técnica de tipificação, optando pelo modelo abstrato de forma
inadequada ou desnecessária, o que não ocorrerá quando a experiência estiver a
demonstrar a inerência insuperável do perigo à conduta.
2.4.4-Crimes de perigo abstrato-concreto
Leciona Ângelo Roberto Ilha da Silva que existem
autores
"que superam a clássica divisão bipartida dos
crimes de perigo concreto, adimitindo o tertium genus crime de perigo
abstrato-concreto. A partir do final da década de sessenta é que se passou a
falar em tais delitos, os quais configurariam uma categoria intermediária entre
os crimes de perigo abstrato e os crimes de perigo concreto". [73]
Ensina Angioni [74] que tais crimes são apresentados
por Schröder de duas formas. Na primeira, o legislador delimita o campo de
investigação do juiz a certos elementos dados pela lei e que se prestam a
provocar perigo, ou seja, a lei diz que o fato é abstratamente perigoso, mas
apresenta elementos que o juiz deve ter em conta concretamente. O segundo tipo
compreende os casos em que "a lei leva a elemento do tipo a idoneidade de
uma coisa ou de uma ação a ocasionar determinados eventos, sem esclarecer
contra qual bem jurídico e contra quais objetos (materiais) se deve dirigir no
caso concreto o perigo (ou fato perigoso)". [75]
Entre os autores brasileiros, Luiz Flávio Gomes utiliza
a expressão "perigo concreto indeterminado", e dá a sua versão:
"Consoante a doutrina alemã, o perigo abstrato
no sentido de que não exige a apresentação de uma vítima concreta do perigo;
seria ao mesmo tempo concreto, no sentido de que a conduta deve ser
concretamente adequada para poder lesionar um bem jurídico individual (vida,
integridade física, patrimônio, etc.)". [76]
Faria Costa apresenta um conceito diferente dos já
estudados dos delitos de perigo abstrato-concreto, que, na sua visão, seriam
aqueles "em que a prova da inexistência do perigo determina o não
preenchimento do tipo". [77] Na referida situação, para outros autores, o
que estaria configurado seriam os crimes de perigo abstrato ou presumido com
presunção relativa.
2.4.5-Crimes de perigo comum e de perigo individual
Duas categorias de suma importância, pois consagradas
invariavelmente nos diplomas penais, são a dos crimes de perigo comum e a dos
crimes de perigo individual.
O crime de perigo comum ou coletivo é aquele que tem
por referência pessoas indeterminadas ou um indefinido número de pessoas e que
constituem as infrações penais do Capítulo I do Título VIII da Parte Especial
do Código Penal brasileiro, ou seja, o capítulo primeiro do título "Dos
crimes contra a incolumidade pública". [78]
Já os crimes de perigo individual são aqueles que
afetam um indivíduo certo ou determinando bem, ou, ainda, um reduzido e
determinado número de pessoas. Constituem o Capítulo III do Título I da Parte
Especial do Código Penal, intitulado "Da periclitação da vida e da
saúde".
3. A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO
ABSTRATO
A sociedade se modificou e se modifica
constantemente, trazendo para dentro da vida social, modelos que nem sempre o
direito consegue acompanhar. Com o avanço social, novas figuras penais
aparecem, assim como aumenta a periculosidade, a violência, que são figuras
presentes, hoje, na vida em sociedade, em virtude do sistema capitalista, das
novas interações sociais, das novas tecnologias.
A partir daí, surgiu para o direito a tarefa de zelar
para que a harmonia se faça sempre presente na coletividade, de modo que sejam
sempre respeitados, de forma contundente e efetiva, não só os direitos
coletivos, mas também os individuais.
Foi justamente sob esse novo panorama social que foram
criados, como já estudados, os crimes de perigo, principalmente os de perigo
abstrato, para que haja uma efetiva tutela dos bens jurídicos penalmente
protegidos, do espaço do próximo, da sua integridade, da sua liberdade.
No entanto, até que ponto esses delitos efetivamente
trazem essa proteção que pregam? Até que ponto essa
"pseudo-proteção", se pode-se assim dizer, é tão eficiente a ponto de
justificar um certo desrespeito a princípios constitucionais fundamentais do
indivíduo, da lei?
É justamente essa análise que faremos agora neste
capítulo.
3.1. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS
Os princípios constitucionais penais, explícitos e
implícitos na Constituição, traçam a política criminal do nosso Estado
Democrático de Direito. Eles são o alicerce do Direito Penal, são os limites
positivos e negativos do direito penal punitivo.
Os princípios exercem dupla função: guiam a atividade
do legislador, no momento de criar a norma incriminadora, e guiam a atividade
dos operadores na aplicação do direito. O poder legislativo está vinculado aos
princípios constitucionais na criação da norma incriminadora, assim como o
poder judiciário está vinculado aos princípios constitucionais na aplicação da
norma incriminadora.
Os princípios constitucionais penais não são
princípios programáticos, eles são normativos, eles têm eficácia imediata,
concreta para reger as relações.
São os princípios constitucionais penais que dão
suporte a uma teoria constitucionalista do delito. São eles que vão guiar a
nossa atividade, a nossa política criminal, que vai nos permitir afastar do
dogmatismo puro de alguns finalistas, permitindo a mitigação do finalismo, com
as idéias da política criminal do funcionalismo.
Vamos analisar, para posterior confrontação com os
crimes de perigo abstrato, os princípios da legalidade, da intervenção mínima,
da lesividade (ou ofensividade), da presunção de inocência e da culpabilidade.
3.1.1-Princípio da legalidade
O princípio da legalidade surge com Estado moderno,
no Estado Liberal, por influência das obras de Beccaria, de Feverbach.
No Direito Romano e na Carta de D. João Sem Terra,
não tinha a legalidade com os contornos atuais, para homens livres. A atual
legalidade surgiu no século XVIII, após as Revoluções Burguesas. A legalidade
para todos iguais perante a lei, só surgiu com a Revolução Francesa,
principalmente com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art.
8º, de 1789, embora, segundo a doutrina, nós já tivéssemos expressão do
princípio da legalidade no Código Austríaco de 1787. Mas ele é mais conhecido,
como exigência de lei para tratar de crime, anterior ao fato, na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão.
Ele veda a tipologia aberta, indeterminada, pois a
tipologia aberta permite que o legislador faça uma ampliação da norma punitiva.
No entanto, no Código Penal brasileiro encontram-se muitas normas de tipologia
aberta, como nos delitos culposos, como no art. 13, § 2º, a, b, c, do CP.
O princípio da legalidade veda, ainda, a criação de
tipos por costumes, por medida provisória, por decreto, por portaria, por
resolução, por regulamento.
Este princípio visa controlar o poder punitivo do
Estado, mais precisamente, segundo Muñoz Conde e Mercedes Garcia, citados por
Cezar Roberto Bittencourt e Luiz Régis Prado, busca confinar sua aplicação em
limites que excluam toda arbitrariedade e excesso do poder punitivo. [79]
Os dois citados doutrinadores ainda chamam a atenção
para algo muito pertinente ao nosso tema: "A lei deve definir com precisão
e de forma cristalina a conduta proibida".
O princípio da legalidade está estritamente ligado
com o princípio da reserva legal, que, por sua vez, determina que só lei
(ordinária) pode criar crime (competência exclusiva da união). Lei complementar
não pode criar crime, mas, ao tratar de outras matérias, ela pode criar tipos.
Tratado ratificado também pode trazer tipo penal (o problema do tratado é a
tipologia aberta).
Na visão do princípio da legalidade, o tipo penal é
um tipo garantia, pois o cidadão só pode ser punido se houver um tipo previsto
e respectiva pena, não há crime sem tipo; e um tipo constitutivo, pois, só
através do tipo que pode haver a previsão de um crime.
3.1.2-Princípio da intervenção mínima
O princípio da intervenção mínima subdivide-se em
subsidiariedade e insignificância.
O Supremo Tribunal Federal, no RHC n. 89.624/RS,
reconheceu a sua aplicação, conforme se extrai da seguinte ementa:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL
MILITAR. PROCESSUAL PENAL MILITAR. FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM
JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL MILITAR. 1. Os bens subtraídos pelo Paciente
não resultaram em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou
colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal
fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão
a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio
da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade
legal e, por conseqüência, torna atípico o fato denunciado. É manifesta a
ausência de justa causa para a propositura da ação penal contra o ora
Recorrente. Não há se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do
Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outros ramos do direito não
sejam suficientes para a proteção dos bens jurídicos envolvidos. 2. Recurso
provido. (RHC 89.624/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 07/12/2006)
Pela subsidiariedade, o Direito Penal somente será
utilizado quando os demais ramos do direito não puderem solucionar o problema.
O Direito Penal é a ultima ratio.
A fragmentariedade significa que, ao Direito Penal,
só interessa punir as ações mais graves, praticadas contra os bens jurídicos
mais importantes.
A intervenção mínima serve como complemento da
legalidade, por esta não impedir que sejam aplicadas sanções penais graves para
bens jurídicos cuja relevância não as justifiquem.
Segundo este princípio, o Direito Penal só deve ser
aplicado quando as sanções dos outros ramos do direito se mostrarem
insuficientes para tutelar determinado bem jurídico, momento no qual poderá ser
utilizada a tutela penal. [80]
3.1.3-Princípio da lesividade, da ofensividade ou da
materialização do fato
A ofensividade exige que a conduta criminosa atinja o
bem jurídico com perigo concreto ou com lesão concreta, logo, ela nega a
existência dos crimes de perigo abstrato; a lesividade prega que só poderá
existir crime quando a conduta ofender um bem jurídico de terceiro, o que
significa dizer que não haverá crime pelo mero pensamento ou pela auto-lesão.
Nilo Batista e Paulo Queiroz, ao tratarem desse tema, defendem que a punição do
crime de uso de drogas, na lei de drogas anterior, fere o princípio da
lesividade. O STF e o STJ não entendem desta forma, porquanto, para eles o
crime de uso de drogas não é auto-lesão, mas crime contra a saúde pública.
Pela materialização do fato, entende-se que não se
pode punir o pensamento, pois isso seria direito penal do autor.
Em suma, pelo princípio da lesividade não há crime
sem a ofensa a um bem jurídico, seja por meio da criação de um dano, seja pela
criação de uma probabilidade de dano, só podendo ser punida, assim, a conduta
que resulte danosa a um bem jurídico penalmente tutelado ou que represente um
perigo provável de dano a este bem. [81]
3.1.4-Princípio da presunção de inocência
Pelo princípio da presunção de inocência, ninguém
pode ser considerado culpado até que efetivamente se comprove a sua culpa. O
Estado tem que comprovar a culpabilidade do indivíduo que, em princípio, é
considerado inocente, sendo que esta presunção é relativa, sendo afastada caso
se comprove que o acusado é realmente responsável pelo delito que lhe foi
reputado.
A presunção da responsabilidade penal do agente, que
tem como consequência o afastamento de sua inocência, deve se dar de acordo com
o devido processo legal, sendo-lhe garantido o contraditório e a ampla defesa.
Sendo assim, o acusado será cercado de garantias para que não sofre medidas
repressivas sem que seja caracterizada a sua culpabilidade. [82]
3.1.5-Princípio da culpabilidade
Este princípio é a base da imputação penal e reza que
não pode haver crime sem culpabilidade. Ele afasta a responsabilidade objetiva,
defendendo que não agindo com dolo ou culpa, ninguém responde por um resultado
imprevisível.
A culpabilidade diz respeito a reprovabilidade social
da conduta injusta, não bastando, portanto, que a figura seja típica e
antijurídica, sendo necessário também que seja considerada culpável, ou melhor,
reprovável socialmente.
A culpabilidade também serve de limite para a
aplicação da pena, pois o indivíduo vai responder pela conduta injusta e
culpável na medida de sua culpabilidade.
3.2. A INCONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO
ABSTRATO
A partir da tendência de expansão do direito penal,
com afronta ao conceito básico de crime, surgiram as cominações de penas para
delitos de mero perigo abstrato. Alguns doutrinadores defendem que a
incriminação dessas condutas, destituídas de perigo concreto, demonstra-se
abusiva, pois, juntamente com o princípio da inafastabilidade da apreciação
judicial, a Carta Magna dispõe que a exigência de submissão de fatos ao exame
judicial se faça relativamente a uma lesão efetiva a um bem, ou a uma ameaça de
direito. [83]
Os crimes de perigo abstrato presumem, de forma
absoluta, a criação do perigo pelo autor da conduta prevista no tipo
respectivo. Isto quer dizer que o agente é punido pela mera desobediência da
letra da lei, sem que se comprove a existência de qualquer lesão ou ameaça de
lesão ao bem tutelado, ou seja, de qualquer resultado jurídico/normativo. A
presunção legal de perigo e a tipificação elaborada vagamente, põem em dúvidas
quanto a sua constitucionalidade, assim como a dos crimes de perigo abstrato.
Esta presunção vai de encontro a diversos princípios constitucionais penais,
além de desrespeitar a estrutura básica do tipo e de ser expressão de uma
técnica legislativa reprovável, ainda mais quando suprimem garantias
fundamentais do indivíduo. [84]
Para Maurício Borba, tutelam-se,
"por meio dos crimes de perigo presumido, bens
jurídicos que poderia ser protegidos com muito mais eficácia através de outros
ramos do Direito, como o Direito Administrativo, o Direito Tributário e o
Direito Civil. O Direito penal mostra-se inadequado e lento para oferecer uma
proteção adequada a estes bens e, por outro lado, não pode ser utilizado como
mera função simbólica, satisfazendo os anseios da sociedade pela tutela de bens
jurídicos recém criados ou recém valorados. Incompatível, portanto, com o princípio
da intervenção mínima". [85]
O bem jurídico deverá ter sempre como referência a
Constituição Federal, porque um direito penal que pretende atuar em desrespeito
aos preceitos constitucionais, é algo, evidentemente, inaceitável.
Os bens jurídicos tutelados, pois, devem guardar
dignidade penal e só o são, por assim dizer, bens jurídico-penais os bens
jurídicos constitucionalmente relevantes.
A essa linha de entendimento é contra Faria Costa,
para quem a Constituição não seria fonte exaustiva de bens jurídicos, tendo,
assim, caráter fragmentário, não se devendo pretender dela deduzir todos os
bens jurídicos. [86]
Ângelo Roberto Ilha da Silva defende que
"os bens jurídico-penais deverão estar
pressupostos na Constituição, quando expressamente consagrados (de forma
positiva e impositiva), ou dela deduzidos mediante uma análise sistemática e
teleológica, ou seja, excluindo-se as vedações impostas a certas incriminações,
explícitas ou implícitas, e averiguando-se se a tutela de determinado bem não
se põe em conflito com os valores que a Carta Política visa a afirma e
resguardar, ou melhor, contribui-se para uma implementação efetiva dos valores
constitucionais". [87]
Continua Silva dizendo que
"há que se averiguar se o bem que se pretende
tutelar consiste em meio necessário à tutela de bens fundamentais manifestos do
ponto de vista da Constituição. Assim, v.g., em casos como os das Constituições
alemã e italiana, que, em decorrência do momento histórico em que foram
promulgadas, não consagram o meio ambienta como valor constitucional, é de se
fazer uma interpetação teleológica no sentido de que o ambiente constitui
conditio sine qua non para a observância humana, e coloca-se como meio
necessário à tutela da vida humana, como valor patrimonial".
É de se notar que existem imposições de
criminalização para a consecução da resguarda de certos bens e que nem todo bem
constitucionalmente valioso e consagrado requer uma tutela penal. Sendo assim,
somente nos casos expressos consagrados pela Constituição é que deverá, de forma
obrigatória, o legislador infraconstitucional tipificar condutas sob a ameaça
da pena criminal, não sendo possível deduzir mandamentos criminalizadores
implícitos.
Por outro lado, a conduta do homem é fenômeno
ocorrente no plano da experiência, não podendo jamais ser presumida ou
imaginada, mas sim verificada. [88]
Para parte da doutrina, é claro que do emprego dos
tipos penais de perigo abstrato resulta ofensa ao enunciado de Direito Penal
clássico, nullum crimen sine injuria, e, por conseguinte, inobservância ao
princípio constitucional da ofensividade, pois não há crime sem resultado. [89]
Para Faria Costa, levando-se em consideração o
princípio da ofensividade, é de se considerar somente a possibilidade de se
criminalizar situações concretas de exposição objetiva a perigo. Relata o
doutrinador que
"de fora fica, em verdadeiro rigor, todo o reino
de legitimidade da punição de condutas cujo traço essencial não está no facto
de o perigo se ter concretamente desencadeado como mera motivação para o legislador
punir tal conduta. Ao sancionar-se penalmente um comportamento dentro destes
parâmetros de valoração somos confrontados com a inexistência de uma qualquer
ofensividade relativamente a um concreto bem jurídico". [90]
Em contrapartida, é importante destacar que os crimes
de perigo abstrato violam também os princípios da presunção de inocência, pois
não se pode presumir a culpabilidade de alguém sem a necessária comprovação,
por meio do devido processo legal, assim como violam também o princípio da igualdade,
pelo simples fato de o cidadão ter menos acesso à busca de meios absolutórios
para conduta abstratamente considerada criminosa; e da legalidade, porque não
contém em seus tipos a devida descrição da conduta a ser punida, sendo a
conduta prevista de maneira incompleta, por não exigir um resultado normativo.
Para os que defendem a inconstitucionalidade dos
crimes de perigo abstrato, é impossível que se conceba a existência de sanção
penal sem a lesão ou ameaça de lesão (perigo) a um bem jurídico, o que, claramente,
ofende, também, à proporcionalidade.
A punição nos crimes de perigo abstrato é questionada
devido à ausência do elemento perigo no tipo penal. Advirá apenas pela
idoneidade do comportamento para a efetivação de uma lesão a um bem jurídico.
Assim, para a existência do dolo, basta que o agente conheça os elementos
típicos do delito, sem que seja necessário que saiba de sua efetiva lesividade.
De acordo com Diego Romero, há quem entenda ainda que
"a excessiva tipificação dos crimes de perigo
abstrato, em flagrante contradição aos princípios que são vigas-mestras do
ordenamento consitucional e penal brasileiro, represente-a essa exacerbada
preocupação prevencionista do direito criminal da sociedade contemporânea, que
a par de uma transformação social, processada a velocidade da comunicação
global instantânea, de um processo tecnológico inimaginável e imprevisível,
quer antecipar a punição de condutas, com o fim de prevenir perturbações e
garantir segurança, usando, para isso, o recurso do simbolismo da lei penal e
da intimidação dos cidadãos com o estigma da punição criminal". [91]
Conforme ensina Marco Aurélio Costa Moreira de
Oliveira,
"ao contrário do que atualmente acontece no
criticável direito penal promocional do estado, mais preocupado com soluções
formais e midiáticas, a ordem jurídica deverá abandonar propostas de penas
simbólicas para, prioritária e antecedentemente, identificar as condutas
verdadeiramente ofensivas aos bens jurídicos fundamentais, usando a regra da
razoabilidade, adequando as penas à necessidade de punir". [92]
Borba defende que,
"assim como as normas em branco e os tipos
abertos, os crimes de perigo abstrato são utilizados na ‘inflação’ legislativa,
contribuindo para levar o Direito Penal Pátrio contra o fluxo da história, deixando
para trás a idéia de ultima ratio e colaborando para um Direito Penal máximo,
ícone de uma sociedade do terror (aludida pelo sociológo Beck, em que a
criminalização é banalizada)".
Segue Borba defendendo ser
"inadmissível que um Estado democrático de
direito, garantias e direitos fundamentais do ser humano sejam mitigados como
consequência da utilização do Direito Penal como um símbolo, ignorando sua
função básica de tutela de bens jurídicos de maior relevância. A importância
dos bens resguardados pelos tipos de perigo abstrato é indiscutível, mas o
Direito Penal não é o único nem o mais adequado meio de protege-los". [93]
Após o advento da atual Constituição Federal, é
impossível que se faça uma interpretação fechada do ordenamento jurídico,
revelando-se necessária a aplicação da norma sistematicamente, ou seja, é
imprescindível que se faça uma constitucionalização do Direito Penal levando em
consideração todos os princípios e garantias basilares presentes na Lei Maior.
3.3. A CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES DE PERIGO
ABSTRATO
Quem entende que os crimes de perigo abstrato são
constitucionais, aduz que parte da doutrina defende a inconstitucionalidade dos
crimes de perigo abstrato, como se verá adiante, por entender que eles violam
os princípios da lesividade e da intervenção mínima, sendo que a Constituição
Federal, em momento algum enumera tais princípios e que "obtê-los mediante
simples interpretação do texto constitucional seria um verdadeiro
‘contorcionismo hermenêutico’". [94]
Por ser "perigo" um conceito jurídico
indeterminado, cujo campo de significação pode variar entre uma possibilidade
remota e uma extrema possibilidade de risco, não há como se precisar um
"ponto médio" onde deveria se situar a atuação penal, estando dentro
da discricionariedade do legislador determinar até que ponto o risco é
inaceitável.
A proliferação desmedida desses crimes, como se
observa nos dias de hoje, não se coaduna com a moderna construção do direito
penal, pois o legislador penal se utiliza desse modelo de crime sempre que se
vê necessitado de legitimar uma conduta em princípio não ofensora de bens
jurídicos. [95]
Entretanto, apesar dessa excessiva antecipação da
tutela penal, isso não quer dizer que o perigo abstrato não mereça ser acolhido
no nosso direito, não sendo possível a crítica do tipo penal nos casos de bens
supra-individuais, justamente pela qualidade particular desses bens.
A adoção de crimes de perigo abstrato se mostra
imprescindível para se conferirem respostas à criminalidade oriunda da
sociedade de risco, pois somente esse crimes podem atuar na esfera anterior à
da lesão e proteger os bens jurídicos supra-individuais. O problema reside no
fato de que a legislação brasileira não faz uso correto dessa ferramenta. [96]
Para Gilmar Ferreira Mendes, as disposições
constantes nos arts. 5º, incisos XLI, XLII, XLIII, XLIV, 7º, inciso X,225, §
3º, e 227, § 4º, da Constituição Federal, são normas nas quais se identifica um
mandado de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores
envolvidos, traduzindo, esses princípios, uma outra dimensão dos direitos
fundamentais, decorrente de sua feição objetiva na ordem constitucional. [97]
Ainda na visão de Gilmar Ferreira Mendes:
"Tal concepção legitima a idéia de que o Estado
se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das
investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção
ou de defesa – Abwerhrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais
contra agressão propiciada por terceiros (Schutzplifcht des Staats).
A forma como esse dever será satisfeito constitui,
muitas vezes, tarefa dos órgãos estatais, que dispõem de alguma liberdade de
conformação. Não raras vezes, a ordem constitucional identifica o dever de
proteção e define a forma de sua realização.
A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou
por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos
direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de
intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger tais
direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros.
Essa interpretação da Corte Constitucional empresta
sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o
Estado evolua da posição de ‘adversário’ para uma função de guardião desses
direitos.
É fácil ver que a idéia de um dever genérico de
proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação
entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma
irradiação dos efeitos desses direitos sobre toda a ordem jurídica.
Assim, ainda que não se reconheça, em todos os casos,
uma pretensão subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocadamente, a
identificação de um dever estatal de tomar todas as providências necessárias
para a realização ou concretização dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais não podem ser considerados
apenas como proibições de intervenção(Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote), mas também podem ser traduzidos como
proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela
(Untermassverbote)."
Observa-se que os dispositivos constitucionais
pátrios referidos expressam o dever de proteção identificado pelo constituinte
e traduzido em mandatos de criminalização expressos dirigidos ao legislador.
Esses mandatos de criminalização funcionam como limitações à liberdade de
configuração do legislador penal e impõem a instituição de um sistema de
proteção por meio de normas penais. [98]
Defende Gilmar Ferreira Mendes que:
"É inequívoco, porém, que a Constituição
brasileira de 1988 adotou, muito provavelmente, um dos mais amplos, senão o
mais amplo ‘catálogo’ de mandatos de criminalização expresso de que se tem
notícia.
Ao lado dessa idéia de mandatos de criminalização
expressos, convém observar que configura prática corriqueira na ordem jurídica
a concretização de deveres de proteção mediante a criminalização de condutas.
Outras vezes cogita-se mesmo de mandatos de
criminalização implícitos, tendo em vista uma ordem de valores estabelecida
pela Constituição. Assim, levando em conta o dever de proteção e a proibição de
uma proteção deficiente ou insuficiente (Untermassverbot), cumpriria ao
legislador estatuir o sistema de proteeção constitucional-penal adequado.
Em muitos casos, a eleição da forma penal pode-se
conter no âmbito daquilo que se costuma denominar discrição legislativa, tendo
em vista desenvolvimentos históricos, circunstâncias específicas ou opções
ligadas a certo experimentalismo institucional, A ordem constitucional confere
ao legislador margens de ação para decidir sobre quais medidas devem ser
adotadas para a proteção penal eficiente dos bens jurídicos fundamentais. É
certo, por outro lado, que a atuação do legislador sempre estará limitada pelo princípio
da proporcionalidade.
Assim, na dogmática alemã é conhecida a diferenciação
entre o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso
(Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). No
primeiro caso, o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de
aferição da constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais,
como proibição de intervenção. No segundo, a consideração dos direitos
fundamentais, como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da
proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando
não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na
hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a
realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da
porporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo
é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de
proteção". [99]
Com base nessa visão, conclui-se que os mandatos constitucionais
de criminalização impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever
de se observar o princípio da proporcionalidade, como proibição de excesso e
como proibição de proteção insuficiente. O princípio da proporcionalidade deve
guiar sempre a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima
ratio. [100]
Dessa forma, não parece haver nenhum óbice
constitucional à categoria dos crimes de perigo abstrato.
4. A TIPICIDADE DO PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA
O porte ilegal de armas de fogo foi, durante décadas,
tratado apenas como uma simples contravenção penal. Mas, em vista da crescente
criminalidade violenta, foi editada, em 1997, a Lei n. 9.437/97, que tornou
essa conduta um crime, cominando pena de um a dois anos e multa.
Mas, a referida lei não se mostrou suficiente para
combater a crescente violência, porquanto, anualmente, cresciam as taxas de
diversas modalidades de crimes, como homicídio, latrocínio e extorsão mediante
sequestro. Como de costume, o Estado brasileiro foi incapaz de tomar as
providências administrativas cabíveis para fortalecer a segurança pública, e
tomou a atitude de aprovar uma lei penal mais rigorosa, como se apenas isso
resolvesse o problema. Daí nasceu a Lei n. 10.826/2003, mais conhecida como
"Estatuto do Desarmamento". [101]
Observa-se do Estatuto do Desarmamento que
importantes alterações foram realizadas, na medida em que a lei passou a punir
não só o porte ilegal de arma de fogo, mas também de acessórios e munições.
Além disso, a pena foi aumentada de 1 a 2 anos para de 2 a 4 anos, deixando o
crime de ser considerado de menor potencial ofensivo (julgado pelos Juizados
Especiais), passando a ser de alto potencial ofensivo. O crime também tornou-se
inafiançável, devendo o acusado responder ao processo preso, a menos que a arma
se encontre registrada em seu próprio nome.
Não há dúvidas de que o legislador passou a
considerar o crime de porte ilegal de armas de fogo como um crime de relevante
gravidade. Mais do que isso, passou a tipificar o porte ilegal de munição.
Assim, nos dias de hoje, é crime o porte ilegal de arma de fogo, isoladamente,
ou seja, sem munição, e o porte de munição, isoladamente, ou seja, sem estar
inserida em uma arma. [102]
Tal dedução parece ser uma decorrência lógica da
redação do art. 14 do Estatuto do Desarmamento, que assim dispõe:
"Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer,
receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente,
emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e
multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é
inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do
agente."
Entretanto, a doutrina e a jurisprudência dos
Tribunais superiores ainda não encontraram um entendimento comum e pacífico
sobre a questão, havendo quem entenda pela tipicidade da conduta, considerando
tal tipo como um crime de perigo abstrato, e quem, em sentido contrário,
entenda pela atipicidade, por entender que o tipo violaria princípios
constitucionais de extrema importância.
4.1. A POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A sociedade se modificou e se modifica constantemente,
trazendo para dentro da vida social, modelos que nem sempre o direito consegue
acompanhar. Com o avanço social, novas figuras penais aparecem, assim como
aumenta a periculosidade, a violência, que são figuras presentes, hoje, na vida
em sociedade, em virtude do sistema capitalista, das novas interações sociais,
das novas tecnologias.
O cerne da questão da tipicidade do porte de arma de
fogo desmuniciada está na capacidade lesiva da conduta de portar arma de fogo
sem munição, em aferir se isso apresenta, realmente, um perigo ou não, se há
lesividade, ofensividade nesta conduta.
As 5ª e 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça,
pela maioria de seus membros, entendem que é típica a conduta de portar arma de
fogo desmuniciada sem autorização legal, defendendo, em geral, que o porte de
arma de fogo desmuniciada e o de munições, mesmo configurando hipótese de
perigo abstrato ao objeto jurídico protegido pela norma, constitui conduta
típica.
Os ministros que adotam esse posicionamento, defendem
a tese de que a Lei n. 10.826/2003, mais conhecida como o Estatuto do
Desarmamento, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de
fogo e munições, define claramente a conduta de portar arma de fogo sem
autorização legal, ainda que desmuniciada, restando claro que o intuito do
legislador foi tratar de modo mais rígido o porte e o uso de arma de fogo e
munições, ampliando o rol das condutas delituosas. Nesse sentido, os seguintes
julgados:
"RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE PORTE ILEGAL
DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (ART 16, INCISOS III E IV, DA LEI N.º
10.826/03). PRISÃO EM FLAGRANTE EM 15/03/2005. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS. VIA INADEQUADA. AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. REEXAME
DE PROVAS, AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO.
VERBETE SUMULAR N.º 7 DO STJ E SÚMULAS N.ºS 284, 282 e 356 DO STF. ARMA
DESMUNICIADA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE. FALTA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO
INFRACONSTITUCIONAL SUPOSTAMENTE VIOLADO. SÚMULA N.º 284 DO STF. ABOLITIO
CRIMINIS TEMPORÁRIA. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. Com relação à arguida violação aos princípios e
garantias constitucionais previstos no art. 5.º, incisos LVII, LXV e LXVI, da
Constituição Federal, cabe esclarecer que a via especial, destinada à uniformização
da interpretação da legislação infraconstitucional, não se presta à análise de
possível violação a dispositivos da Carta Magna.
2. A insurgência relativa à ausência de provas para a
condenação não deve ser conhecida, tendo em vista a incidência, na hipótese, da
Súmula n.º 7 deste Superior Tribunal de Justiça e das Súmulas n.ºs 284, 282 e
356 do Supremo Tribunal Federal.
3. As alegações relativas à ausência de tipicidade,
sob o argumento de que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal no RHC
81.057/SP, a arma desmuniciada não é apta a configurar as infrações previstas
no Estatuto do Desarmamento, não deve ser conhecida por carência na
fundamentação, na medida em que o recurso foi interposto com fundamento na
alínea a do permissivo constitucional e não foi indicado o dispositivo
infraconstitucional supostamente violado, o que impõe a aplicação do verbete
sumular n.º 284 do Supremo Tribunal Federal.
4. Ainda que assim não fosse, este Tribunal já firmou
o entendimento segundo o qual o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada e o
de munições, mesmo configurando hipótese de perigo abstrato ao objeto jurídico
protegido pela norma, constitui conduta típica.
5. Desse modo, estando em plena vigência o
dispositivo legal ora impugnado, não tendo sido declarada sua
inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não há espaço para a
pretendida absolvição do Réu, em face da atipicidade da conduta.
6. Por fim, sustenta que a condenação relativa ao
crime previsto no art. 16, incisos III e IV, da Lei n.º 10.826/03, segundo
alega, não pode subsistir, porquanto o mencionado delito foi cometido durante a
vacatio legis da novel legislação. Essa insurgência não pode ser conhecida,
tendo em vista a ausência de prequestionamento, o que implica a aplicação das Súmulas
n.ºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
7. Além disso, importante asseverar que somente as
condutas delituosas relacionadas à posse de arma de fogo foram abarcadas pela
denominada abolitio criminis temporária, prevista nos arts. 30, 31 e 32 da Lei
10.826/03, não sendo possível estender o benefício para o crime de porte ilegal
de arma de fogo de uso restrito. Precedentes.
8. Recurso não conhecido." (REsp 882.532/RJ,
Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 05/04/2010)
"PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO DE USO RESTRITO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA
PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO. ORDEM DENEGADA.
1. A objetividade jurídica dos crimes de porte e
posse de arma de fogo tipificados na Lei 10.826/03 não se restringe à
incolumidade pessoal, alcançando, por certo, também, a liberdade pessoal,
protegidas mediatamente pela tutela primária dos níveis da segurança coletiva,
do que se conclui ser irrelevante a eficácia da arma para a configuração do
tipo penal.
2. Para se configurar a tipicidade da conduta
prevista no art. 14 da Lei 10.826/03, é irrelevante que a arma apreendida
esteja desmuniciada, bastando que haja o porte ou a posse ilegal da arma de
fogo.
3. Ordem denegada." (HC 147.623/RJ, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima. 5ª Turma, DJe 05/04/2010)
"PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 14 DA LEI N.º
10.826/03. PORTE ILEGAL DE ARMA. TIPICIDADE. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA
PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO.
Na linha de precedentes desta Corte, pouco importa
para a configuração do delito tipificado no art. 14 da Lei n.º 10.826/03 que a
arma esteja desmuniciada, sendo suficiente o porte de arma de fogo sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Precedentes
desta Corte). Ordem denegada." (HC 146.425/GO, Rel. Min. Félix Fischer, 5ª
Turma, DJe 22/02/2010)
" HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PORTE ILEGAL DE ARMA
DE FOGO COM NUMERAÇÃO RASPADA (ART. 16, PARÁG. ÚNICO DA LEI 10.826/03).
ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA INEXISTENTE. VACATIO LEGIS DOS ARTS. 30 E 32 DA
LEI 10.826/03 INAPLICÁVEL, NA HIPÓTESE. ARMA DESMUNICIADA. CONDUTA TÍPICA.
PRECEDENTES DO STJ. OPINA O MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. A Lei 10.826/03 não aboliu o crime de porte ilegal
de arma de fogo e munições, anteriormente regulado pelo art. 10 da Lei
9.437/97, prevendo-o, expressamente, agora nos arts. 12, 14 e 16, inclusive com
alteração da pena máxima para maior, inexistente, assim, a abolitio criminis do
referido delito.
2. Esta Corte firmou o entendimento de ser atípica a
conduta apenas no concernente ao crime de posse irregular de arma de fogo,
tanto de uso permitido (art. 12) quanto de uso restrito (art. 16), no período
estabelecido nos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/03, que permitiu a entrega das
armas à Polícia Federal mediante indenização ou a sua regularização. A conduta
de portar arma de fogo sem autorização ou em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, que ensejou a denúncia do paciente, continuou típica e não foi
abrangida pela descriminalização temporária.
3. A circunstância da arma de fogo se encontrar
desmuniciada não exclui, por si só, a tipicidade do delito, uma vez que a
conduta de portar armamento coloca em risco a paz social, bem jurídico a ser
protegido pelo artigo art. 14 da Lei 10.826/03. Precedentes.
4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer
ministerial." (HC 142.359/Sp, Rel. Min. Napoleão Maia Nunes Filho, 5ª
Turma, DJe 22/02/2010)
"HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO.
DOSIMETRIA. EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. REVÓLVER COM
DEFEITO E DESMUNICIADO. CONSTATAÇÃO POR PERÍCIA. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE
LESIVA. MAJORANTE NÃO CARACTERIZADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO.
AFASTAMENTO PROCEDIDO. REPRIMENDA REDIMENSIONADA.
1. A utilização de arma comprovadamente ineficaz para
disparo e, ademais, desmuniciada, não autoriza o reconhecimento da causa de
especial aumento de pena prevista no inciso I do § 2º do art. 157 do Código
Penal. Precedentes deste STJ.
PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM NUMERAÇÃO
RASPADA. POTENCIALIDADE LESIVA DO ARMAMENTO APREENDIDO. LAUDO PERICIAL
ATESTANDO A INAPTIDÃO DO REVÓLVER. IRRELEVÂNCIA. DESNECESSIDADE DO EXAME. CRIME
DE MERA CONDUTA. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVIDENCIADA. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO MANTIDO.
1. O simples fato de portar arma de fogo de uso
permitido com numeração raspada viola o previsto no art. 16 da Lei 10.826/03,
por se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo objeto
imediato é a segurança coletiva.
2. A existência de laudo pericial atestando a
inaptidão do revólver apreendido mostra-se irrelevante, pois o delito do art.
16 da Lei 10.826/03 configura-se com o simples enquadramento do agente em um
dos verbos descritos no tipo penal repressor.
REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. MODO FECHADO. FIXAÇÃO
DE FORMA MENOS GRAVOSA. CONDENAÇÃO EM DOIS CRIMES. CONCURSO MATERIAL.
REPRIMENDA SUPERIOR A OITO ANOS. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO.
MODIFICAÇÃO INVIÁVEL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO PATENTEADO.
1. Não há falar em constrangimento ilegal na
imposição do modo fechado para o resgate da sanção reclusiva se a soma das
penas dos tipos incriminadores em que restou condenado o paciente, considerando
o concurso material entre os delitos de roubo agravado pelo concurso de agentes
e o de porte de arma de fogo de uso permitido com numeração raspada, superou o
patamar de oito anos de reclusão. Exegese do art. 33, § 2º, a, do Estatuto
Repressivo.
2. Ordem parcialmente concedida tão-somente para
excluir da condenação do delito de roubo a causa de especial aumento de pena
disposta no inciso I do § 2º do art. 157 do CP, restando a sanção do paciente
definitiva em 8 anos e 4 meses de reclusão e pagamento de 23 dias-multa, por
violação aos arts. 157, § 2º, II, do Código Penal, e 16, parágrafo único, IV,
da Lei 10.826/03, mantidos, no mais, a sentença e o acórdão combatidos."
(HC 106.206/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 13/10/2009)
"HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. PORTE ILEGAL DE
ARMA DE FOGO. ATIPICIDADE. ARMA DESMUNICIADA. IRRELEVÂNCIA. APREENSÃO DE
MUNIÇÃO.
1. O desmuniciamento da arma não conduz à atipicidade
da conduta, bastando, como basta, para a caracterização do delito, o porte de
arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.
2. A objetividade jurídica, in casu, é a segurança,
que se desdobra em níveis e comporta lesão.
3. É que, nos tipos mistos alternativos, excluídos os
casos da atipicidade absoluta, as ações que o integram não devem ser
interpretadas isoladamente, não havendo como exigir-se o municiamento da arma
de fogo, se o ilícito se caracteriza só com o porte de munição, também
apreendida na espécie.
4. Ordem denegada." (HC 78.190/RJ, Rel. Min.
Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJe 18/08/2008)
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.
TRANSPORTE DE ARMA. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARMA DESMUNICIADA, DESMONTADA
E ARMAZENADA EM SACOLA NA CARROCERIA DE CAMINHONETE. IMPOSSIBILIDADE IMEDIATA
DE DISPARO. IRRELEVÂNCA. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. 2. ORDEM DENEGADA.
1. Tratando-se de transporte de arma de fogo,
desmuniciada e desmontada, armazenada em sacola, na carroceria de caminhonete,
comprovadamente apta a efetuar disparos, não há falar em atipicidade tendo em
conta a redação abrangente do art. 14 do Estatuto do Desarmamento.
2. Ordem denegada." (HC 56.358/RJ, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJ 26/11/2007)
No entanto, ainda que minoritariamente, existem
ministros que compõem a 6ª Turma do STJ, dentre eles o Ministro Nilson Naves,
que se aposentou recentemente, que divergem desse entendimento, defendendo não
ser típica a conduta de portar arma de fogo desmuniciada sem autorização legal,
sob o argumento de que arma, para ser arma, tem que ser eficaz, tem que ser
lesiva, caso contrário, de arma não se cuida. Confiram-se:
"Arma de fogo (porte ilegal). Arma sem munição
(caso). Atipicidade da conduta (hipótese).
1. A arma, para ser arma, há de ser eficaz; caso
contrário, de arma não se cuida. Tal é o caso de arma de fogo sem munição, que,
não possuindo eficácia, não pode ser considerada arma.
2. Assim, não comete o crime de porte ilegal de arma
de fogo, previsto na Lei nº 10.826/03, aquele que tem consigo arma de fogo
desmuniciada.
3. Agravo regimental provido." (AgRg no HC
76.998/MS, Rel. Min. Haroldo Rodrigues, Rel. para acórdão Min, Nilson Naves, 6ª
Turma, DJe 22/02/2010)
"Arma de fogo (porte ilegal). Falta de munição
(caso). Atipicidade da conduta (hipótese).
1. A arma, para ser arma, há de ser eficaz; caso
contrário, de arma não se cuida. Tal é o caso de arma de fogo sem munição, que,
não possuindo eficácia, não pode ser considerada arma.
2. Não comete, pois, crime de porte ilegal de arma de
fogo aquele que consigo tem arma de fogo desmuniciada.
3. Habeas corpus concedido." (HC 116.742/MG,
Rel. Min. Jane Silva, Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, 6ª Turma, DJe
16/02/2009)
"Arma de fogo (porte ilegal). Arma sem munição
(caso). Atipicidade da conduta (hipótese).
1. A arma, para ser arma, há de ser eficaz; caso
contrário, de arma não se cuida. Tal é o caso de arma de fogo sem munição, que,
não possuindo eficácia, não pode ser considerada arma.
2. Assim, não comete o crime de porte ilegal de arma
de fogo, previsto na Lei nº 10.826/03, aquele que tem consigo arma de fogo
desmuniciada.
3. Ordem de habeas corpus concedida." (HC
70.544/RJ, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª Turma, DJe 03/08/2009)
4.2. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O Supremo Tribunal Federal, por meio da sua 1ª Turma,
entende da mesma forma que a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de
Justiça, que a conduta de portar arma de fogo desmuniciada sem autorização é
típica. Para tanto, os ministros que compõem este órgão de julgamento defendem
que a arma de fogo é a arma que mais apresenta potencial de lesividade, maior
do que qualquer outro objeto de que se possa fazer ocasionalmente uso como
instrumento de ataque ou de defesa, sendo muito maior a possibilidade de seu
emprego para vitimar, de uma só vez, múltiplas pessoas, o que assombra toda a
sociedade.
Para o Ministro Carlos Britto
"não há como negar o fato de uma automática
associação de idéia entre as armas de fogo e os mais temíveis crimes contrra o
indivíduo, o patrimônio e a segurança pública. Sobre nenhum outro mecânico
instrumento de ataque ou de defesa se faz tão centrado objeto de contrabando ou
venda clandestina. Nenhum se presta com tanta repetição como fator de acidentes
domésticos fatais e vitimação a esmo (aberratio ictus), de que a recorrente
expressão ‘bala perdida’ tem conferido a exata medida. Tornando-se elas mesmas
- as armas de fogo – o próprio objeto de constantes assaltos a agentes
policiais e vigilantes em geral para a sua criminosa obtenção. Tudo a revelar
uma superior eficácia de uso para o bem ou para o mal. Não sendo por acaso que
o empredo do termo ‘passar fogo’ se haja consagrado como sinônimo do ato de
matar. E as expressões ‘dedo no gatilho’ e ‘alça de mira’ denotarem o mais
sério risco de morte para alguém" (RHC 91.553/DF).
Ressalta o Min. Carlos Britto que
"não há como destipificar a circunstancial
conduta do indivíduo que se encontre com arma de fogo, porém desmuniciada ou
sem possibilidade de imediato municiamento. É que tal eventualidade pode não
ser – e quase sempre não é – percebida pelos outros. Daí que a reação média
desses outros sujeitos não se modifique. Permanecendo íntegra, por
consequência, a necessidade de preservação dos bens que a ordem legal teve em
mira proteger, ao interditar o porte em si dos artefatos do gênero" (RHC
91.553/DF).
Sendo assim, defendem os ministros que não há como
deixar de considerar o caráter de perigo abstrato da conduta criminalizada.
Nesse sentido, confiram-se:
"EMENTA: PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA
DESMUNICIADA. TIPICIDADE. CARÁTER DE PERIGO ABSTRATO DA CONDUTA. RECURSO
IMPROVIDO. 1. O porte ilegal de arma de fogo é crime de perigo abstrato,
consumando-se pela objetividade do ato em si de alguém levar consigo arma de
fogo, desautorizadamente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Donde a irrelevância de estar municiada a arma, ou não, pois o crime de perigo
abstrato é assim designado por prescindir da demonstração de ofensividade real.
2. Recurso improvido." (HC 91.553/DF, Rel. Min. Carlos Britto, 2ª Turma,
DJe 21/08/2009)
"EMENTA: PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. PORTE DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 da Lei
10.826/03. TIPICIDADE RECONHECIDA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. RECURSO
DESPROVIDO. I. A objetividade jurídica da norma penal transcende a mera
proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da liberdade
individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento
dos níveis de segurança coletiva que a Lei propicia. II. Mostra-se irrelevante,
no caso, cogitar-se da eficácia da arma para a configuração do tipo penal em
comento, isto é, se ela está ou não municiada ou se a munição está ou não ao
alcance das mãos, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para cuja
caracterização desimporta o resultado concreto da ação. III - Recurso
desprovido." (HC 90.197/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowisky, 1ª Turma, DJe
04/09/2009)
Em entendimento diametralmente oposto entende a 2ª
Turma da Corte Suprema, defendendo ser atípica a conduta de portar arma de fogo
desmuniciada. Confiram-se:
"EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime. Arma de fogo. Porte
ilegal. Arma desmuniciada, sem disponibilidade imediata de munição. Fato
atípico. Falta de ofensividade. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC
concedido para esse fim. Inteligência do art. 10 da Lei n° 9.437/97. Voto
vencido. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, sem que o portador tenha
disponibilidade imediata de munição, não configura o tipo previsto no art. 10
da Lei n° 9.437/97." (HC 99.449/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para
acórdão Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJe 12/02/2010)
"EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL
PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA E ENFERRUJADA. AUSÊNCIA
DE EXAME PERICIAL. ATIPICIDADE. Inexistindo exame pericial atestando a
potencialidade lesiva da arma de fogo apreendida, resulta atípica a conduta
consistente em possuir, portar e conduzir arma de fogo desmuniciada e
enferrujada. Recurso provido." (HC 97.477/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel.
para acórdão Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 29/10/2009)
"EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL
PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA DESMUNICIADA. AUSÊNCIA DE LAUDO
PERICIAL. ATIPICIDADE. Inexistindo laudo pericial atestando a potencialidade
lesiva da arma de fogo resulta atípica a conduta consistente em possuir, portar
e conduzir espingarda sem munição. Ordem concedida." (HC 97.811/SP, Rel.
Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJe 21/08/2009)
CONCLUSÃO
A atualidade do tema proposto neste estudo e o
divergente posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito foi a grande
justificativa para sua discussão no meio acadêmico. O avanço da criminalidade,
de uma forma geral, serviu como legitimador e justificador para a criação dos
crimes de perigo abstrato, como meio de trazer mais segurança para a população,
objetivando uma maior efetividade da justiça, uma resposta do Estado mais
efetiva à criminalidade crescente.
Diante dos fatos explanados no decorrer do estudo e
com todas as pesquisas realizadas, pode-se concluir que os crimes de perigo
abstrato se justificam pela maior sensação de proteção que eles trazem à
sociedade como um todo, pois, ao reprimirem condutas apenas potencialmente
perigosas, mas que, de certa forma, já assustam a população, dão uma maior
sensação de segurança. Obviamente, não se pode deixar de considerar que tais
avanços fizeram surgir uma série de problemas relativos a um possível
desrespeito a alguns princípios constitucionais de direito penal, como a
lesividade, a ofensividade, a presunção de inocência, dentre outros. No
entanto, ao fazer um confronto entre os princípios constitucionais que os
crimes de perigo abstrato possivelmente ofendem e a proteção que eles trazem
para a sociedade, não se pode deixar de reconhecer a necessidade deles.
Quanto à tipicidade do porte de arma de fogo
desmuniciada, a jurisprudência dominante defende a tipicidade deste,
baseando-se, principalmente, no perigo que uma arma de fogo, por si só,
apresenta, sendo ela capaz de assustar a qualquer pessoa, independentemente de
ser verdadeira ou não, de funcionar ou não, de estar municiada ou não, fato
este que, por si só, já corrobora para a prática efetiva de crimes mais graves.
Partindo-se desta nova idéia de proteção que o
direito penal visa efetivar com os crimes de perigo abstrato, surgem os
conflitos de interesse entre a dignidade do agente e o bem estar da população
como um todo. Nesses casos, deve-se levar em consideração o interesse da
coletividade, bem como o caráter ofensivo e perigoso que as condutas
tipificadas como de perigo abstrato representam, para que se possa definir o
que é mais justo, mais correto, mais eficaz.
O tema é bastante complexo e alvo de críticas e
debates incessantes. Os princípios constitucionais devem ser obedecidos pela comunidade
jurídica, mas sempre de forma equilibrada, justa, pois nem um deles é tão
absoluto a ponto de justificar uma falta de proteção dos cidadãos, de punição
dos delinquentes, de falha na proteção da sociedade.
Uma variedade enorme de indagações são respondidas
pelos doutrinadores e juristas de formas diversas, desta forma, buscou-se
apresentar um panorama aclarador das variadas ideologias, fixando a premissa de
que os interesses da coletividade devem ser sempre tutelados pelo Direito, não
sendo possível que condutas potencialmente criminosas e danosas, principalmente
o porte de arma de fogo desmuniciada sem autorização legal, não sejam punidas.
Parece-nos que, dificilmente, as soluções legais
podem ser soluções satisfatórias no campo do direito penal mais garantista. A
tendência do legislador brasileiro tem se mostrado no sentido de aumentar os
tipos penais, em busca de frear a criminalidade que cresce assustadoramente, de
trazer uma maior segurança pública e jurídica aos cidadãos, ainda que, para
isso, alguns princípios constitucionais tenham que ser relativizados.
Através deste trabalho, foi possível perceber que
existe um ponto de equilíbrio entre a tipificação dos crimes de perigo abstrato
e os princípios constitucionais de direito penal, em que um não afronta o
outro, pois eles se complementam, se integram.
Finalmente, é importante que se considere que a
intenção do legislador, com a criação dos crimes de perigo abstrato, não foi
criar um direito penal do inimigo, em que se pune a pessoa por aquilo que ela
é. Muito pelo contrário, o que se buscou e se busca com tais tipos penais, é
trazer uma maior proteção à sociedade, uma maior segurança, punindo-se condutas
que apresentem um potencial lesivo certo e assustador, condutas essas, que por
si só, já causam medo à população, já aterrorizam, já intimidam e que, por
essas razões, têm que ser evitadas, têm que ser repreendidas.
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FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal,a
nova parte geral. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 277/278.
Nesse sentido: "não são todas as relações
sociais (os bens) que contam com hierarquia (e valor) suficiente para integrar
o rol dos bens jurídico-penais". GOMES, Luiz Flávio, Princípio da
ofensividade no Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002b, p. 105.
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p. 38.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da,op. cit., p. 38/39.
TOLEDO, Francisco de Assis, op. cit., p. 127.
NAVARRETE, Miguel Polaino. El bien jurídico en el
derecho penal.In: SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit., p. 39.
Sobre tal função, leia-se FIANDACA, Giovanni e MUSCO,
Enzo, fundamentando-se em ROCCO, Arturo. Lóggeto del reato e della tutela
giuridica. In: SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, ob. cit., p. 39.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit., p. 39.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit., p. 40.
PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico penal e Constituição.
São Paulo: RT, 1996, p. 40.
FIANDACA, Giovanni e MUSCO, Enzo. Diritto penale. In:
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit., p. 40.
LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Teoria
Constitucional do Direito Penal. In: SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit.,
p. 40.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit., p. 43.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da, op. cit., p. 43.
FERRAZ, Denise Nóbrega. Crimes de Perigo Abstrato: A
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