Tauã Lima Verdan Rangel
Resumo:
O artigo a ser apresentado tem, como objetivo principal de
estruturação, o desenvolvimento de uma análise da importância dos
pressupostos emanados pela robusta e plural tábua de princípios,
consagrada com o fortalecimento do pós-positivismo dentro da Ciência
Jurídica. Outrossim, ainda nesta trilha de exposição, cingirá o
estudo em alusão, por meio de um exame aprofundado do denominado
princípio da bagatela, a demonstração da incorporação de valores
da sociedade, situados em determinado momento histórico e social,
por parte dos Diplomas Jurídicos, refletindo o contexto da
aplicação de suas normas e leis. Para tanto, a incorporação dos
nortes emanados pelo princípio da bagatela pelos Tribunais de
Justiça, demonstrará, de modo claro, a importância do referido
axioma para a aplicação da norma abstrata as situações concretas,
cada qual bem delineada pelos aspectos que a integram. Assim, por
derradeiro, a presente abordagem explicitará, ainda, a carecida
manifestação da interdependência existente entre o Direito e a
coletividade, assentando, por via de consequência, o adágio ubi
societas, ibi jus, como mola motriz para o aperfeiçoamento constante
e progressivo do arcabouço normativo.
Palavras-chaves:
Princípio da Bagatela. Sociedade. Valores Sociais. Direito.
Abstract:
The article to be presented has, like principal objective of
structuring, the development of an analysis of the importance of the
presuppositions emanated by the robust and plural plank of
beginnings, when powders-positivism were consecrated with the
strengthening of inside the Legal Science. Equally, still on this
track of exhibition, it will ring the study in allusion, through a
deepened examination of the so-called beginning of the trinket, the
demonstration of the valuable incorporation of the society, when they
were situated at determined historical and social moment, for part of
the Legal Diplomas, reflecting the context of the application of his
standards and laws. For so much, the incorporation of the northern
ones emanated by the beginning of the trinket for the Courts of
Justice, will demonstrate, in clear way, the importance of the
above-mentioned axiom for the application of the abstract standard
the concrete situations, each one well outlined by the aspects that
integrate it. So, for last, the present approach will set out, still,
the lacked demonstration of the existent interdependence between the
Right and the community,establishing, for road of consequence, the
adage ubi societas, ibi right, like motive spring for the constant
and progressive improvement of the prescriptive outline.
Key-Words:
beginning of the trinket, society, social values, Straight.
Sumário:
I – Concepção de Princípio: Análise do Pós-Positivismo; II –
Princípio da Bagatela: Análise do Contexto Histórico; III –
Princípio da Bagatela: Estrutura Conceitual; IV – A
Interdependência entre o Princípio da Bagatela e os Corolários
Estruturantes do Direito Penal; V – Caracterização do Crime de
Bagatela; VI – Exemplos da Incidência do Princípio da Bagatela;
VII – Comento Final.
I
– Concepção de Princípio: Análise do Pós-Positivismo.
Em
sua gênese, o Direito gozava de aspectos que o explicitavam como uma
ciência cujo aporte teórico-normativo a apresentava como detentora
de feições de imutabilidade, estagnação e solidez, diante das
constantes e progressivas alterações introduzidas pela evolução
da sociedade. Neste período, facilmente, denota-se a incidência de
vingança, pública ou privada, como resquício do primitivismo
humano, ideários da Lei de Talião (olho por olho, dente por dente).
Tais premissas conseguem ser vislumbrados quando se analisa a figura
do juiz, autoridade imbuída do poder estatal, que se limitava a
propagar a redação da norma/lei, id est, era apenas um vetor que
objetivava pôr voga a redação do conjunto normativo. Por extensão,
vedava-se, de modo robusto, a introdução de mecanismos de
interpretação das leis, buscando adequá-las as realidades
introduzidas pela constante mutabilidade advinda da sociedade.
Devido
aos aspectos suso esposados, passou a medrar a necessidade de
implementar novos critérios que assegurassem uma constante
interdependência da Ciência Jurídica com a sociedade. Ao lado
disso, de bom alvitre se faz arrazoar a respeito dos dogmas e
corolários do pós-positivismo como pilares de evolução e
adequação do arcabouço jurídico às múltiplas e distintas
situações apresentadas pela coletividade.
Ao
examinar a concepção de princípios na órbita do Direito, durante
a vigência do pós-positivismo, é possível observar a inauguração
de um cenário em que os princípios passam a desfrutar de
privilégios, sendo garantido, para tanto, amplo e farto destaque
dentro da legislação. Aqui, há uma dicotomia entre as normas,
classificando-as em regras ou princípios. As regras compreendem a
legislação elaborada pelo Poder Legislativo, de forma típica,
sendo imposta de maneira cogente pelo Estado, como também aquelas
que são elaboradas de forma atípica pelo Poder Executivo, exercendo
a função de legislar. Já os princípios passam a ser evidenciados,
tendo destaque e, por vezes, elevados a categoria de Princípios
Constitucionais, isso é, passam compor a Carta Política dos
Estados, a exemplo do Brasil. Tal fato ocorre em função da
maleabilidade intrínseca em se adequar e adaptar as questões,
devido a peculiaridade de possuir maior abrangência.
Tecidas
estas ponderações, necessário se faz avaliar a relação entre os
princípios e o Direito Penal. Assim, valendo-se da definição
proposta pelo festejado Bitencourt (2000, pág. 02), "Um
conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de
infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes -
penas e medidas de segurança", dessa forma o Direito Penal é
conceituado. Em harmonia com os demais ramos que formam a Ciência
Jurídica, a ramificação criminal foi inserida na esfera de
influências do Pós-Positivismo e passou a aplicar os princípios
como normas generalíssimas que orientam toda a legislação que o
integra. Por extensão, essa visão adotada também pelo Ordenamento
Jurídico Máximo de um Estado, permite a adoção da denominação
de "normas das normas" que em certas ocasiões esses
postulados recebem, sobrepondo-se, comumente, a redação limitada
das leis.
Não
obstante, essa valorização do homem permitiu que o Direito Penal se
constituísse a partir de uma base em que a valoração do indivíduo
se faz pungente a fim de garantir a integridade física e mental.
Para isso, foi desenvolvida uma ótica em que se privilegia a figura
do ser humano em detrimento da punição estruturada no simples ato
de penitenciar. Em contraponto, sanar a utilização da sanção como
um simples instrumento de mortificação pela prática do crime.
Finda-se, neste cenário, os resquícios primitivos de vingança tão
alardeados pela Lei de Talião, mas sim, como elementos de
habilitação e reinserção do indivíduo na sociedade.
Isto
é, em breves considerações, a sanção não tem o mero papel de
punir o indivíduo pela conduta socialmente condenável, delitos ou
infrações. Ao revés, estende-se e supera essa função, buscando,
em face do fato, desenvolver formas e meios para prevenir o aumento
da prática e ressocializar o indivíduo. Dada essa exposição, é
permitido afirmar que o Direito Penal busca adaptar-se a realidade e
anseios que a sociedade exterioriza e, por conseguinte, avaliar o
indivíduo como elemento que integra a sociedade, buscando sua
ressocialização, para estar apto ao convívio com a coletividade e
extirpar a prática das condutas que atentem contra a harmonia da paz
social.
II
– Princípio da Bagatela: Análise do Contexto Histórico.
Como
tão bem alude o festejado Fernando Cápez, o tema em comento tem sua
gênese no Direito Romano, fundando -se no brocardo jurídico minimis
non curat praetor, tendo raízes essencialmente civilista. Ora, não
cabe ao pretor cuidar de causas ou delitos de bagatela, como bem
salienta Santos (2010). Como se verifica, ao dispensar uma análise
ao contexto histórico do início até meados do século XX, a
criminalidade de bagatela, denominada pelos alemães de
“bagatelledelikte”, tem robusto agravamento na Europa, em razão
das duas grandes guerras mundiais que ocorreram no continente. Nesta
linha, aliás, Santos (2010) sobreleva que “em virtude das
circunstâncias socioeconômicas, há um aumento de delitos de
caráter patrimonial, marcados pela característica singular de
consistirem em subtrações de pequena relevância, de onde se extrai
sua nomenclatura (delito de bagatela)”.
A
patrimonialidade é relativa apenas à fase inicial de
desenvolvimento do princípio um em tela. Para Krümpelmann, conforme
anota Sanguin, citado com propriedade por Santos (2010), “o fato só
pode ser caracterizado como bagatela quando há a concorrente
insignificância de todos os seus componentes, de acordo com a
própria definição que ele faz”. Desta feita, o desvalor a ser
atribuído ao evento deve ser analisado observando a importância
dos particulares bens jurídicos e do grau e intensidade da sua
ofensa, logo, sendo irrisório, incide as premissas que dão corpo a
criminalidade da bagatela. Dispensando um exame mais aprofundado em
relação ao tema, fato é que os delitos acobertado pela concepção
de bagatela não pode ter seus axiomas definidos meramente por um
conceito padrão, abstrato e genérico, sendo imprescindível
analisar o caso concreto. Assim, clarividente está que a incidência
das normas penais ao fato em questão após a carecida avaliação da
repercussão sócio-jurídico da conduta perpetrada.
“Em
1964, acabou sendo introduzido no sistema penal por Claus Roxin,
tendo em vista sua utilidade na realização dos objetivos sociais
traçados pela moderna política criminal” (CÁPEZ/2010). Ora,
considerando a complexidade que cerca o Direito Penal, em razão de
se cercear o direito de liberdade do indivíduo, não compete a
ramificação supra referida dispensar maiores preocupações com as
bagatelas, bem como inadmite tipos incriminadores que descrevem
condutas totalmente inofensivas ou ainda incapazes de lesar o bem
jurídico tutelado, como tão bem argumenta Fernando Cápez.
Baseando-se
na doutrina de Carlos Vico Manãs, citado com propriedade pela
articulista Juliana Santos (2010), colhe-se o seguinte entendimento:
“A
lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de
pouca ou escassa gravidade. E o princípio da insignificância surge
justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como
instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o
significado sistemático e político criminal de expressão da regra
constitucional do nullum crime sine lege, que nada mais faz do que
revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.”
(SANTOS, 2010)
Vale
ainda trazer à baila os postulados apresentados por Maurício
Antônio Ribeiro Lopes, extraídos da obra “Princípios Políticos
do Direito Penal” (2ª ed. São Paulo; RT, 1999, p. 89-90),
transcrito in verbis:
“(...)
O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por
Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo partindo do velho adágio
latino minima no curat praetor, como manifestação contrária ao uso
excessivo da sanção criminal. Por ele, devem ser tidas como
atípicas as ações ou omissões que afetam muito infimamente a um
bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido
não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a
tipicidade em caso de danos de pouca importância (...) Ainda aqui,
porém, convém advertir para a sua grande imprecisão, o que pode
atingir gravemente a segurança jurídica. (...) Assim, a
irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser
aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente
atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade,
isto é, pela extensão da lesão produzida (...)”. (Extraído do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sétima
Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70031327448/ Rel. Desembargador
Marcelo Bandeira Pereira/ Julgado em 22.04.2010)
Por
seu turno, segundo o entendimento doutrinário do festejado mestre
César Roberto Bittencourt, (in "Manual de Direito Penal" -
Parte Geral - Ed. Revista dos Tribunais - 4a ed., p. 45), ao ser
citado pela Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires, que segue
transcrito in totum: “A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma
gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer
ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o
injusto típico”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº.
1.0687.04.026697-9/001(1)/ Rel. Desembargadora Beatriz Pinheiro
Caires/ Julgado em 25.01.2007/ Publicado em 06.03.2007). Francisco
de Assis Toledo, em sua robusta obra "Princípios Básicos de
Direito Penal" (4ª ed. Saraiva, 1991, p. 132), esclarece ainda:
“Welzel
considera que o princípio da adequação social bastaria para
excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim
seja. Por isso, Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal,
de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual
atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se
do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria
dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos
incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que,
evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do
tipo que estamos defendendo. Segundo o princípio da insignificância,
que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito
penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja
necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se
de bagatelas...” (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº.
1.0687.04.026697-9/001(1)/ Rel. Desembargadora Beatriz Pinheiro
Caires/ Julgado em 25.01.2007/Publicado em 06.03.2007) .
III
– Princípio da Bagatela: Estrutura Conceitual.
Em
uma primeira plana, ao se compulsar o Ordenamento Jurídico
Brasileiro, é perceptível que não há qualquer dispositivo que
abarque em sua redação a definição para delito ou crime de
bagatela. Ao contrário, a construção do tema retromencionado é
fruto da interpretação doutrinária e do entendimento
jurisprudencial, por meio dos quais, obtêm-se os termos
delimitadores das condutas tidas como bagatelares, insignificantes, a
partir de uma análise mais acurada do direito penal mínimo,
fragmentário e subsidiário, como bem explana Santos (2010).
Destarte,
pode-se ainda utilizar dos ensinamentos apresentados por Diomar Ackel
Filho apud Santos (2010), quando o referido pontua que "o
princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que
permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade
constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo
a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como
irrelevantes". Em similar substrato, Aguiar (2010) argumenta que
o cânon em comento emana que para uma conduta se amoldar e ter os
contornos próprios de atos criminosos, imprescindível é que, além
do juízo de tipicidade formal (a adequação da conduta perpetrada
ao nomen juris entalhado na norma), seja feito o juízo de tipicidade
material. “Isto é, a verificação da ocorrência do pressuposto
básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa
a bens jurídicos relevantes da sociedade” (AGUIAR, 2010).
Porventura,
se a conduta corporificada, ainda que seja considerada como
formalmente típica, venha a acarreta lesão ao bem jurídico
tutelado de modo tido como desprezível, ínfimo, não há que se
cogitar a incidência da tipicidade material. Desse modo, o
comportamento, mesmo que sendo formalmente típico, é considerado
como algo atípico, indiferente, ergo, à ramificação criminal do
Direito, não tendo o condão de gerar condenação ou sequer dar
ensejo à persecução penal. “Considero, na linha de pensamento
jurisprudencial mais atualizado que, não ocorrendo ofensa ao bem
jurídico tutelado pela normal penal, por ser mínima (ou nenhuma) a
lesão, há de ser reconhecida a excludente de atipicidade
representada pela aplicação do princípio da insignificância”,
como bem arrazoa a Ministra Ellen Gracie (Extraído do Supremo
Tribunal Federal – Segunda Turma/ HC 102.080/MS/ Rel. Ministra
Ellen Gracie/ Julgado em 05.10.2010)
IV
– A Interdependência entre o Princípio da Bagatela e os
Corolários Estruturantes do Direito Penal.
Ao
se esmiuçar a robusta tábua axiológica que alicerça o Direito,
como ciência, é verificável a incidência de uma maciça e
estreita interdependência entre os muitos dogmas que a integram. Por
vezes, denota-se, inclusive, que alguns cânons encontram-se
implicitamente contidos em outros, como colunas que ofertam a
segurança e estabilidade para a sua mantença no ordenamento
jurídico pátrio. No caso vertente, pode-se pôr em destaque uma
relação mais íntima entre o princípio da bagatela e os ditames da
intervenção mínima, da fragmentariedade, da subsidiariedade, da
adequação social, da proporcionalidade e da lesividade.
IV.
1 – Princípio da Intervenção Mínima.
O
dogma em análise tem como fito de alicerce a limitação ou mesmo
eliminação do arbítrio do legislador. Desta feita, o direito
penal, em razão das regras que o integram, deve ser aplicado em
situações extremas, só sendo aceitável sua incidência nos casos
em que houver ataques relevantes aos bens jurídicos tutelados pelo
Estado. Valendo-se do que ensina René Ariel Dotti, citado por Santos
e Sêga (2010), o princípio da intervenção mínima tem como pilar
de sustentação a restrição da incidência das normas
incriminadoras, quando verificada a ofensa/lesão aos bens jurídicos
considerados como fundamentais pelo Ordenamento Pátrio.
De
outra banda, reserva-se para as demais ramificações da Ciência
Jurídica a corpulenta gama de ilicitudes, descritas como detentoras
de menor expressão, em relação ao dano ou perigo de dano a se
causar. “A aplicação do princípio, resguarda o prestígio da
ciência penal e do magistério punitivo contra os males da exaustão
e da insegurança que a conduz a chamada inflação legislativa"
(SANTOS et all, 2010). Tal como ocorre o ideário da bagatela, o
princípio da intervenção mínima é fruto das obras doutrinárias
e do entendimento jurisprudencial, não estando explícito nas
legislações criminais nem constitucionais, sendo cogente a sua
observação, posto que, em razão de sua essência, encontra-se
umbilicalmente relacionado com os próprios fundamentos estruturantes
do Estado Democrático de Direito.
IV.
2 – Princípio da Fragmentariedade.
Manifestamente
relacionado ao princípio esposado acima, o baldrame em destaque tem
por escopo que apenas as condutas dotadas de maior gravidade e
periculosidade perpetradas contra os bens jurídicos maciçamente
relevantes exigem os rigores e iras das normas integrantes da
ramificação penal do Direito. “O legislador, ao prever o tipo
penal, tem em mente apenas o prejuízo relevante que o comportamento
incriminado possa causar à esfera social e jurídica, sem ter,
contudo, como evitar que tal disposição legal atinja, de roldão,
também os casos leves, de maneira desproporcional”, como tão bem
sopesa Santos e Sêga (2010).
Entende-se,
deste modo, que o direito criminal é detentor de um caráter
fragmentário, isto é, deve ater-se tão somente aos casos em que
há, de fato, uma ameaça grave, robusta, inconteste aos bens
jurídicos tutelados pelo Estado. Em contrapartida, não se admite
que as normas incriminadoras se ocupem de delitos de bagatelas, pois
estes, em comparação aos demais, são considerados como
irrelevantes.
IV.
3 – Princípio da Subsidiariedade.
No
que concerne à ramificação criminal da Ciência Jurídica, a
subsidiariedade tem como elemento de derivação o pressuposto que as
normas penais são remédios sancionadores extremos, devendo, em
razão disso, serem ministrados apenas quando nenhum outro mecanismo
se revele eficaz para resolver o conflito e restabelecer a paz
social, como preconiza Santos e Sêga (2010). Desta sorte, calha
evidenciar que a intervenção do direito penal só tem assento e
legitimidade para atuar quando os outros ramos que integram a Ciência
Jurídica se revelarem inócuos em sua intervenção.
Consoante
Muñoz Conde, citado por Santos et all (2010), a intervenção do
direito penal só ocorre quando fracassam as demais formas de tutela
do bem jurídico predispostas pelos demais ramos do direito. Ademais,
deve-se salientar, com destaque, que se aplicando o direito penal,
quando há ainda a possibilidade de findar o conflito por meio de
outros ramos do Direito, estar-se-ia diante de uma ameaça à paz
pública.
IV.
4 – Princípio da Adequação Social.
“A
teoria da adequação social, formulada por Welzel, surgiu como um
princípio geral de interpretação dos tipos penais. Através dele,
não são consideradas típicas as condutas que se movem por completo
dentro do marco de ordem social normal da vida, por serem
consideradas socialmente toleráveis”, como bem leciona Santos e
Sêga (2010). O pressuposto em análise se revela como de grande
utilidade, quando se observa sua incidência em ordenamentos
jurídicos já há muito defasados ou com pouca atualização
legislativa, não contemplando, dessa monta, a realidade
econômico-social m constante e progressiva transformação.
“O
princípio da adequação social, então, exclui, desde logo, a
conduta do âmbito de incidência do tipo, situando-a entre os
comportamentos atípicos, ou seja, como comportamentos normalmente
tolerados”. (SANTOS et all, 2010). O princípio da adequação
social faz menção às condutas tidas como aceitáveis pela
sociedade, distinguindo-se, neste particular, do princípio da
insignificância não tange a tolerância ou não por parte da
sociedade, mas sim o cunho insignificante da lesão perpetrada.
IV.
5 – Princípio da Proporcionalidade.
Outro
importante dogma que mantém relação estreita com o preceito da
bagatela é o princípio da proporcionalidade, porquanto como
dicciona Eugênio Zaffaroni, o pilar magno do princípio da bagatela
esta na concepção de proporcionalidade que a sanção a ser
cominada deve manter em referência à (in)significância do crime.
Deste modo, observando que, no caso concreto, a lesão praticada é
ínfima ao bem jurídico, o fito da pena não mais subsiste.
“Conforme Sanguiné, ainda que fosse aplicada uma pena mínima,
esta seria considerada demasiada em relação à irrelevante
significação social do fato”, como bem destacam Santos e Sêga
(2010). Pode-se, também, trazer à tona a concepção que dá
essência ao princípio da proporcionalidade, cunhada por Humberto
Bergmnan Ávila, apud Silva (2010)
“...pode-se
definir o dever de proporcionalidade como um postulado normativo
aplicativo decorrente da estrutura principal das normas e da
atributividade do Direito e dependente do conflito de bens jurídicos
materiais e do poder estruturador da relação meio-fim, cuja função
é estabelecer uma medida entre bens jurídicos concretamente
correlacionados.”
Denota-se,
desta sorte, o princípio em tela como um elmento de “adequação
axiológica e finalística pelo agente público do poder-dever de
hierarquizar princípios e valores de maneira adequada nas relações
de administração e no controle delas”, como bem assinala Silva
(2010). Segundo a ótica adotada por Muñoz Conde, em havendo o
desrespeito aos ideários consagrados pelo dogma da
proporcionalidade, ocorrer o afastamento, por consequencia, da
finalidade do direito penal e sua compatibilidade como as bases e
alicerces do Estado Democrático de Direito. “Isto é, o direito
penal deve sustentar-se na proporcionalidade, uma vez que o direito
deve garantir os direitos fundamentais do ser humano buscando ser um
direito mínimo e garantista”, nos dizeres de Santos e Sêga
(2010).
IV.
6 – Princípio da Lesividade.
O
princípio da lesividade sagra em suas linhas que o indivíduo/agente
só poderá sofrer as cominações legais e penalizações ncluindo
neste lastro atitudes pecaminosas ou ainda imorais, como bem alinhava
Santos e Sêga (2010). Desta forma, verifica-se que a relação
existente entre o preceito em observância e o princípio da bagatela
guardam interação íntima, uma vez que a incidência da ramificação
penal do Direito só terá justificativa quando a lesão perpetrada
for maciça, não cabendo, portanto, em ínfimas ou mesmo
imperceptíveis lesões aos bens jurídicos tutelados.
Como
afirma Luiz Flávio Gomes (Princípio da Ofensividade no Direito
Penal, p. 25), ao ser citado pelo Desembargador Nereu José
Giacomolli (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel.
Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009), o
princípio da ofensividade (ou lesividade) ao bem jurídico há de
ser instrumentalizado e tornado efetivo, sob pena de se ter um
discurso liberal e uma aplicação autoritária do Direito Penal. Em
igual sentido, “o princípio da ofensividade ou lesividade exige
que não haja crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico,
dentro de um critério valorativo que a norma comporta”, como
destaca o festejado Carbonell Mateu (Derecho Penal: Concepto y
principios constitucionales, 1999, p. 215 a 218), apud Desembargador
Nereu José Giacomolli Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do
Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº.
70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em
25.06.2009) .
O
referido doutrinado, salienta ainda que “num Estado social e
democrático de Direito, a intervenção punitiva somente se
justifica nas condutas transcendentes aos demais que atinjam as
esferas de liberdade alheias, sendo contrário ao princípio de
ofensividade o castigo de uma conduta imoral, antiética ou
antiestética que não invadam a liberdade alheia”. (Extraído do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara
Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José
Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009). Por derradeiro, o princípio da
lesividade descansa na consideração do crime como um ato
desvalorado, sendo assim, contrário à norma de valoração, que
atribui a tipificação reprovável.
De
tal entendimento não discrepa o doutrinador Palazzo (Valores
Constitucionais e Direito Penal, 1989, p. 79 a 84) quando “preconiza
que o princípio da ofensividade informa que o fato não constitui um
ilícito se não for lesivo ou perigoso ao bem jurídico tutelado”.
(Extraído do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul –
Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel.
Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009)
V
– Caracterização do Crime de Bagatela.
Em
uma explanação inicial, conforme tem se extraído, principalmente,
dos entendimentos jurisprudenciais, alguns requisitos são ditos
imprescindíveis para corporificar o princípio em tela, delimitando,
em grossas linhas, as situações que a incidência do preceito em
apreço é admitida, adequando a norma abstrata ao caso concreto.
Nesta esteira, de bom alvitre se revela a necessidade de citar as
circunstâncias que imperiosamente devem orientar a aplicação do
cânon em comento, fixando os limites de seus feixes, tais sejam:
“(a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma
periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão
jurídica provocada”, extraído do Superior Tribunal de Justiça -
Quinta Turma (Habeas Corpus 2009/0208844-0/ Rel. Ministra Laurita
Vaz/ Julgado em 12.03.2010/ Publicado em 12.04.2010).
Coaduna
com o expendido, inclusive, a brilhante processualista espanhola
Armenta Deu, citada pela articulista Juliana Santos (2010). A
referida doutrinadora espanca que a escassa reprovabilidade encontra
direta ligação com a projeção, isto é, a repercussão que
determinado fato é capaz de produzir no meio social. Nos casos dos
delitos de bagatela, está ausente “o juízo de censura penal”,
como bem salienta a articulista susomencionada. Desta sorte, a falta
de reprovação de conduta determinada típica, ainda que, de modo
abstrato, o fato se adeque a algum tipo penal. Neste passo, existe
certa tolerância em sua origem, sendo considerado, em razão de tais
feições, como banais, “mesmo que possam ser enquadrados como
crimes (furto, injúria, lesão corporal, respectivamente aos
exemplos dados) tipicamente estabelecidos na lei penal, não são
assim considerados pelas pessoas, devido ao costume diário com que
se deparam com tais situações” (SANTOS/2010). Igualmente, como
base fortemente erguida, pode-se trazer à baila o propagado no
sentido de que:
“…
Não
se descura existir, no caso, tipicidade formal, pois a conduta do
Paciente adequa-se ao paradigma abstrato definido na lei. Entretanto,
não ocorre, na espécie, a tipicidade material: não houve lesão
efetiva e concreta a bem jurídico tutelado pelo ordenamento penal,
dado o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente,
o mínimo desvalor da ação e a ausência de qualquer consequência
danosa. E a atipia material, segundo doutrina e jurisprudências
hodiernas, exclui a própria tipicidade penal” (Supremo Tribunal
Federal/ HC 104.070/SP/ Rel. Ministro Gilmar Mendes, decisão
monocrática, Informativo/STF n.º 592, v.g.).
Insta
realçar, com grossos traços e cores fortes, que “o referido
princípio não pode ser compreendido como uma institucionalização
da impunidade, mas sim como um instrumento valioso que permite
desconsiderar a tipicidade de fatos que”, como arrazoa o
Desembargador Vieira de Brito, “por sua inexpressividade,
constituem ações de bagatela, afastadas do campo de reprovabilidade
a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma
penal, emergindo, pois, a absoluta falta de juízo de reprovação
penal”.(Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
– Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº.
1.0145.041510-9/001/ Rel. Desembargador Vieira de Brito/ Julgado em
31.07.2008/ Publicado em 19.08.2008). Impera destacar, ainda nesta
esteira de raciocínio, que as condutas descritas não se tornam
lícitas, livres de qualquer sanção, todavia, despem-se das
características de crime perante os olhos da sociedade. Ocorre, à
luz de tais argumentos, que a reprovabilidade não mais subsiste,
porquanto o bem jurídico que goza de amparo pela norma penal não é
abalado de modo significativo ou mesmo a tal ponto que reclame a
ativação da máquina estatal para coibir o ato.
No
que tange ao aspecto de habitualidade, subsiste um problema, qual
seja é trazido a campo “a impossibilidade de punir todos os
praticantes do "delito", uma vez que esse ocorre de forma
massificada. Nesse caso, percebe-se uma nítida desvalorização do
Direito Penal, pois devido à grande quantidade de praticantes do
delito, torna-se inviável uma reação intimidadora”
(SANTOS/2010). Neste diapasão, produz-se como resultado a eliminação
do efeito ameaçador da pena, em razão da maciça parte dos
delinquentes não ser identificada pelo Estado-juiz para aplicar as
punições e sanções necessárias.
Ao
lado disso, realçar se revela imprescindível que a intervenção do
Direito Penal tem assento justificado quando se observa que o bem
jurídico acobertado pelas normas e regras que o integram foi exposto
a um dano tido como maciço, relevante em termos de lesividade. “Não
se revela a tipicidade material quando a conduta não possui
relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência
da tutela penal, em face do postulado da intervenção mínima”
(Extraído do Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ HC
174288 – SP (2010/0096650-0)/ Rel. Ministro Og Fernandes/ Julgado
em 31.08.2010/ Publicado em 27.09.2010). Outro, inclusive, não é o
entendimento apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça, como se
colhe nesta oportunidade:
“…Considerando-se
que a tutela penal deve se aplicar somente quando ofendidos bens mais
relevantes e necessários à sociedade, uma vez que é a última
dentre todas as medidas protetoras a ser aplicada, cabe ao intérprete
da lei penal delimitar o âmbito de abrangência dos tipos penais
abstratamente positivados no ordenamento jurídico, de modo a excluir
de sua proteção aqueles fatos provocadores de ínfima lesão ao bem
jurídico por ele tutelado, nos quais têm aplicação o princípio
da insignificância... (Superior Tribunal de Justiça – Quinta
Turma/ HC 160423 – RJ” (2010/0013282)/ Rel. Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho/ Data do Julgamento 19.08.2010/ Data da Publicação
20.09.2010)
Não
se pode olvidar, ainda, que o delito, para se caracterizar como
bagatelar, deve reunir como pressuposto o ideário de que o ataque
perpetrado seja tão ínfimo, incapaz, desse modo, de causar um dano
efetivo ao bem jurídico tutelado pela norma abstrata, ocorrendo,
como dito alhures, uma atipicidade material da conduta perpetrada. No
delito de bagatela, o resultado, por si só, não justifica a
ativação de todo o aparelho estatal, em razão do custo ser
elevado, consubstanciando uma incongruência em relação ao caso
concreto, falta-lhe a lesividade carecida.
A
aplicabilidade do princípio da bagatela, para afastar a tipicidade
penal, é cabível quando se evidencia que o bem jurídico tutelado
sofreu mínima lesão e a conduta do agente expressa pequena
reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. Ora, latente se
revela a necessidade de arrazoar a respeito de distinguir os delitos
tidos como insignificantes ou ainda de bagatelas dos denominados de
crime de menor potencial ofensivo. Pois, neste último caso, tais
condutas encontram disposição no art. 61 da Lei Nº. 9.099/1995
(Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), não havendo que se
falar em insignificância da conduta, vez que a gravidade é
perceptível socialmente, ainda que seja de forma minorada. Pode-se
ainda afiançar os argumentos e motivações expendidos até o
momento ao lançar mão dos ensinamentos apresentados por Luiz Regis
Prado, citado pelo Ministro Jorge Mussi, como segue:
“A
irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a
imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta
em caso de danos de pouca importância. O princípio da
insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação
objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto
é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de
resultados. [...]. De qualquer modo, a restrição típica decorrente
da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com
total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente
subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma
análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais
vetores - v. g., valoração sócio-econômica média existente em
determinada sociedade - tidos como necessários à determinação do
conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e
equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao
princípio da segurança jurídica. (Curso de Direito Penal
Brasileiro, Volume 1 - Parte Geral - Arts. 1º a 120 - 7ª ed.,
RT:SP, 2007, p. 154 e 155).” (Extraído do Superior Tribunal de
Justiça – Quinta Turma/ Habeas Corpus Nº. 2009/0182222-8/ Rel.
Ministro Jorge Mussi/ Julgado em 29.04.2010/ Publicado em 24.05.2010)
Ora,
não bastassem as razões expendidas até o momento, pode-se, inda,
citar valorosa tábua de argumentação do Desembargador Nereu José
Giacomolli que, ao analisar o tema, assim pondera: “A infração
penal não é mera violação da norma. É mais que isto, é violação
do bem jurídico, numa perspectiva de resultado e de relevância da
ofensa ao bem jurídico protegido”. (Extraído do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/
Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José
Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009). Neste caminho, aliás, prossegue
o referido desembargador, demonstrando que “um fato – furto –,
embora reconhecido pelo legislador como delito – está tipificado e
inexiste norma geral a respeito da ofensividade – , merece uma
exegese valorativa do ponto de vista do bem jurídico tutelado, o
qual integra a própria previsão abstrata, mais precisamente, se
houve relevância ofensiva ao bem jurídico, examinando-se as
consequências jurídicas”. (Op. Cit)
Destarte,
como é aferível a ofensividade de um bem juridicamente protegido
necessita de uma disposição geral, com expressa previsão no Código
Penal, a fim de que a redação do dispositivo haja como um
instrumento de tipicidade abstrata, e uma constitucional, cerceadora
do poder legiferante. “Quiçá, com isso, se evitaria a inflação
de tipos penais, também causadora da demanda processual criminal; da
concepção de que o Direito Penal se presta para a solução de
todos os males da sociedade atual, da incompetência política,
econômica e social”. (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul – Sexta Câmara Criminal/ Apelação Nº.
70025444209/ Rel. Desembargador Nereu José Giacomolli/ Julgado em
25.06.2009). Prossegue o referido desembargador em seu julgado:
“A
tutela ao bem jurídico há de ser averiguada do ponto de vista
positivo, ou seja, de que somente há transgressão da norma quando
efetivamente existe um ataque ofensivo ao valor tutelado.
Afastada
a efetiva ofensa ao bem jurídico, o tipo penal abstrato não se
perfectibiliza no plano concreto da realidade da vida.
Alterações
normativas não têm o condão de concretizar um dano ao autor do
fato com a imposição de uma pena. Raciocínios, inclusive
lógico-formais, são empregados de forma “apropriada”, sempre em
prejuízo do réu. (...)
Também
FERRAJOLI (Derecho y Razón, 1997, p. 464 a 467) ensina que somente
os efeitos lesivos justificam a proibição e a pena. Este princípio
surge já em Aristóteles e Epicerro e domina toda a cultura penal
ilustrada: de Hobbes, Prefendorf e Locke a Beccaria, Hommel, Bentham,
Pagano e Romagnosi, os quais observam que os danos causados a
terceiros são a razão, o critério e a medida das proibições e
das penas. O bem jurídico implica uma valoração para sabermos se
deve haver ou não tutela penal.
O
tipo penal é como uma pedra bruta que necessita ser lapidada,
burilada, integrada com elementos externos ao abstrativismo, tomados
do plano objetivo. Só assim é que podemos conceber a formação de
um suporte válido, suficiente e real à aplicação da sanção
criminal.
A
adoção deste princípio implica que se investigue o conteúdo
material do tipo penal, isto é, se a conduta se revestiu de entidade
suficiente a lesar o bem jurídico. A proteção do bem jurídico e a
ofensividade se conectam e se constituem em pilares de sustentação
de um Direito Penal voltado à satisfação dos interesses sociais
atuais. O que deve ser protegido pela norma penal - bem da vida
determinado, ou bem jurídico-, apenas informa o Direito Penal do bem
jurídico, não sendo suficiente para determinar se há delito, mais
precisamente, se a previsão abstrata se concretiza, isto é, se
ocorreu uma lesão ou perigo concreto ao valor cultural protegido -
ofensividade. Não há crime sem uma real ofensa ao bem jurídico,
materializada no brocardo nullum crimen sine iniuria.” (Extraído
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Sexta
Câmara Criminal/ Apelação Nº. 70025444209/ Rel. Desembargador
Nereu José Giacomolli/ Julgado em 25.06.2009)
Em
igual substrato, pode-se ainda utilizar os ensinamentos e lições
emanados do robusta fundamentação apresentada pelo desembargador
Vieira de Brito, ao analisar o cabimento do princípio da bagatela no
plano concreto:
“Ab
initio, cumpre ressaltar que o princípio da insignificância vem
ganhando aceitação nos tribunais pátrios, surgindo como método
auxiliar de interpretação que se propõe a excluir do tipo penal os
fatos que não causem relevante lesão ao bem jurídico, tendo por
finalidade ajustar a aplicação da lei penal aos casos que lhe são
apresentados, evitando a proteção de bens cuja inexpressividade,
efetivamente, não mereçam a atenção do legislador penal.
O
aludido princípio tem como principais fundamentos a fragmentariedade
e a subsidiariedade do Direito Penal e o princípio da
proporcionalidade. Ele é a base de sustentação de um Direito Penal
mínimo e atua na esfera judicial, quando, partindo de uma valoração
quantitativa da conduta em razão da maior necessidade de proteção
da sociedade, determinar-se-á o conteúdo material do injusto, como
forma de verificação ou não da exclusão da tipicidade.
Uma
correta interpretação do princípio da insignificância nos conduz
à ideia de que a sanção penal a ser aplicada deve ser proporcional
à afetação do bem jurídico tutelado, ou seja, deve-se perquirir a
relevância social do fato, pois, "nos casos de mínima afetação
ao bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não
subsiste nenhuma razão para o phatos ético da pena" (Maurício
Antônio Ribeiro Lopes, Princípio da Insignificância no Direito
Penal: análise à luz das leis 9.099/95, 9.503/97 e da
jurisprudência atual, Ed. RT, 2000, p.69). (…) Importante
ressaltar que para a aplicação do princípio da bagatela deve o
Julgador se ater à análise do fato e não do autor do fato,
impondo-se observar essencialmente a intensidade da lesão causada ao
bem juridicamente protegido, não constituindo, por isso, óbices à
incidência do instituto a reincidência ou os maus antecedentes do
agente.” (Extraído do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais – Segunda Câmara Criminal/ Apelação Criminal Nº.
1.0145.041510-9/001/ Rel. Desembargador Vieira de Brito/ Julgado em
31.07.2008/ Publicado em 19.08.2008)
De
acordo com o magistério do ilustre Professor Cezar Roberto
Bitencourt (in "Tratado de Direito Penal", Parte Geral,
vol. 1, 8ª edição, Ed. Saraiva), citado pelo Desembargador Vieira
de Brito , ao ponderar sobre o assunto, leciona que: “Assim, a
irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser
aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente
atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade,
isto é pela extensão da lesão produzida... (p. 20)”. (Extraído
do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara
Criminal/ Apelação Criminal Nº. 1.0145.041510-9/001/ Rel.
Desembargador Vieira de Brito/ Julgado em 31.07.2008/ Publicado em
19.08.2008).
VI
– Exemplos da Incidência do Princípio da Bagatela:
Como
dito alhures, não há que se falar que um dado crime é tipo como
pertencente à espécie de bagatela, sem que seja feita uma análise
dos fatos concretos que lhe deram azo, bem como os aspectos
particulares de cada caso, a fim de amoldar a norma abstrata e
genérica à situação concreta e específica. Entre os muitos
exemplos ofertados pela jurisprudência pátria, inclusive,
proveniente do Superior Tribunal de Justiça, pode-se fazer menção
aos crimes ambientais, cujo dano é ínfimo, quando comparado com o
bem protegido, a absolvição é medida que se impõe (CÁPEZ, 2010).
De outra banda, já se decidiu também, em consonância com os
princípios insculpidos no art. 225 da Constituição Federal, que a
preservação ambiental “deve ser feita de forma preventiva e
repressiva, em benefício de próximas gerações, sendo intolerável
a prática reiterada de pequenas ações contra o meio ambiente, que,
se consentida, pode resultar na sua inteira destruição e em danos
irreversíveis” (CÁPEZ, 2010).
O
crime de furto, quando o bem subtraído ou mesmo a quantia, tem se
revelado ínfimo a tal ponto de não colocar em xeque o patrimônio
do ofensivo. Um sucedâneo de julgado provenientes das Cortes de
Justiça do Brasil tem julgado neste sentido, demonstrando, desta
sorte, que a ativação da máquina estatal não ocorre quando o
crime perpetrado é de mínima lesividade, até mesmo porque, por
vezes, a conduta é tolerada ou, ainda, justificada pela sociedade.
Outra conduta que pode ser, quando a análise do caso concreto assim
comporta, acobertada pelo manto do princípio da bagatela é o crime
de descaminho. Para tanto, deve-se ter em mente que a quantia alvo da
sonegação perpetrada não exaspere “o valor previsto no art. 20
da Lei nº 10.522/02, o qual determina o arquivamento das execuções
fiscais, sem baixa na distribuição, se os débitos inscritos como
dívida ativa da União forem iguais ou inferiores a R$ 10.000,00
(valor modificado pela Lei nº 11.033/04)”. (CÁPEZ, 2010).
Por
derradeiro, ao fixar os aspectos delineadores do crime de bagatela,
bem como a incidência do cânon em análise, deve-se trazer a lume o
sedimentado entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que
respalda as ponderações arvoradas até o momento, como se colhe:
“EMENTA:
FURTO (PEQUENO VALOR). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (ADOÇÃO). 1.
A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o
ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas – coisas
quase sem préstimo ou valor. Já foi escrito: "Onde bastem os
meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve
retirar-se." 2. É insignificante, dúvida não há, a subtração
de uma bicicleta usada avaliada em pouco mais de cem reais. 3. A
insignificância, é claro, mexe com a tipicidade, donde a conclusão
de que fatos dessa natureza evidentemente não constituem crime. 4.
Ordem concedida. ORDEM CONCEDIDA, POR MAIORIA.” (Superior Tribunal
de Justiça – Sexta Turma/ HC 79947 – MS (2007/0068055-8)/ Rel.
Ministro Nilson Naves / DJ 23.11.2009).
“EMENTA:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL
EQUIPARADO AO CRIME DE TENTATIVA DE FURTO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL.
TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM
JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O princípio da
insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva
do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser
considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à
norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho
valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico
tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da
fragmentariedade e da intervenção mínima.2. Indiscutível a sua
relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal
aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado
(dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma
ínfima afetação ao bem jurídico. (...). ORDEM CONCEDIDA, À
UNANIMIDADE.” (Superior Tribunal de Justiça - Quinta Turma/ HC Nº
136.519 - RS (2009/0094082-2)/ Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima/ DJ
21.09.2009).
VII
– Comento Final.
Tendo
por sedimento toda a tábua argumentava esposada até o presente,
pode-se destacar que o princípio da bagatela é desfraldado, no que
tange sua incidência na Ciência Jurídica, como um instrumento de
grande relevância que viabiliza aos operadores do direito sopesar e
medir se específica conduta perpetrada, revestiu, ao ser
consubstancializada, com os aspectos mínimos para a incidência do
Direito Penal. Ademais, deve-se salientar que os tipos penais são
descritos de maneira abstrata, logo, a análise e ponderação a
respeito do caso concreto, permitem, com supedâneo no dogma em
observância, a distinção entre condutas de alta lesividade,
atentando contra a paz e harmonia social, bem como de condutas tidas
como ínfimas e toleráveis pela coletividade.
Cuida
destacar, por fim, que o princípio da bagatela não tem o escopo de
afrontar contra os critérios elementares da incidência da norma
penal, ao contrário, mas tão-somente trazer à baila tidas como
aceitáveis na sociedade, em razão da mínima lesividade que
acarreta, reduzindo, assim, a reprovabilidade por parte do
Estado-juiz.
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