Data: 20/01/2015
Em recurso relatado pela ministra Isabel Gallotti, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) reiterou que, nas ações de interdição não requeridas pelo
Ministério Público, a função de defensor do interditando deverá ser
exercida pelo próprio Ministério Público, conforme estabelecem os artigos 1.179 e 1.182, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC) e 1.770 do Código Civil de 2002.
Por unanimidade, a Turma acompanhou o
voto da relatora e manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná
(TJPR) que considerou dispensável a nomeação de curador especial nas
ações de interdição em que o Ministério Público não é o autor, porque sua atuação como fiscal da lei resguarda os direitos da interditanda.
O procedimento de interdição tem por pressuposto a suposta redução ou perda do discernimento para a prática dos atos da vida civil por pessoa maior e capaz, decorrente do comprometimento de sua saúde mental,
o que, caso comprovado, ensejará a declaração judicial da relativa ou
absoluta incapacidade do interditando, sujeitando-o à assistência ou
representação.
O caso
No caso julgado, o pedido de interdição
foi ajuizado pelo tio da interditanda. O Juízo de Direito da Comarca de
Assis Chateubriand (PR) nomeou um curador que participou da audiência de
interrogatório da interditanda, mas, mesmo intimado, ele não apresentou
contestação.
Convocado para atuar como representante
judicial da parte, o MP do Paraná requereu a renovação da intimação do
curador para apresentação de contestação ou, no caso de pedido de
desistência do encargo, a nomeação de outro curador para promover a
defesa da interditanda. A pretensão foi negada pelo Tribunal estadual.
O Ministério Público recorreu ao STJ
sustentando que o ordenamento jurídico não mais admite que o MP atue
como representante judicial da parte e que a ampla defesa dos direitos
do interditando exige a nomeação de curador especial, já que sua atuação
como fiscal da lei não é suficiente para essa finalidade.
Legitimados
Em seu voto, a relatora enfatizou que
estão legitimados para requerer a interdição somente os pais ou tutor, o
cônjuge ou parentes próximos do interditando ou, ainda, em caráter
subsidiário, o Ministério Público, sendo essa a única hipótese em que se
exige a nomeação de curador à lide, a fim de ensejar o contraditório.
Isso porque, explicou a ministra
Gallotti, na hipótese do Ministério Público e o suposto incapaz estarem
em polos opostos da ação, há intrínseco conflito de interesses
a exigir a nomeação ao interditando de curador à lide, nos termos do
artigo 1.179 do CPC, que se reporta ao artigo 9º do mesmo código.
Segundo a relatora, nos casos em que a
ação é proposta pelos demais legitimados, caberá ao Ministério Público a
defesa dos interesses do interditando, seja fiscalizando a regularidade
do processo, requerendo provas e outras diligências que entender
pertinentes ao esclarecimento da incapacidade, seja impugnando ou não o
pedido de interdição.
Esse é o motivo pelo qual não se faz
cabível a nomeação de curador especial para defender, exatamente, os
mesmos interesses pelos quais zela o Ministério Público, enfatizou em
seu voto.
Citando
precedentes, a ministra reiterou que a nomeação de curador especial –
figura de direito processual, e não de direito material – justifica-se
quando há possibilidade de conflito de interesses entre o incapaz e o
responsável pela defesa de seus interesses no processo judicial.
Doutrina
Isabel Gallotti rechaçou a tese
sustentada pelo Ministério Público paranaense, segundo a qual a
representação judicial do interditando pelo MP, expressamente
determinada pelo parágrafo 1º do artigo 1.182 do CPC, não mais subsiste
em face da regra do artigo 129, inciso IX da Constituição Federal.
Segundo a ministra, o inciso IX do
artigo 129 determina, entre as funções institucionais do Ministério
Público, "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedadas a representação
judicial e a consultoria jurídica das entidades públicas". Ao mesmo tempo,
o caput do artigo 127 da Constituição estabelece como incumbência do
Ministério Público "a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Ademais, afirmou em seu voto, a atuação
do Ministério Público em defesa de pessoas em situação de
vulnerabilidade é atribuída sem questionamento em diversas outras
hipóteses, como na proteção dos direitos de crianças e adolescentes,
idosos e consumidores, prevista em suas respectivas legislações.
Para Isabel Gallotti, o acórdão recorrido deu fiel cumprimento aos dispositivos legais impugnados no recurso especial, cabendo ao Ministério Público exercer a defesa da interditanda em processo movido por seu tio.
"A competência atribuída ao Ministério Público pelo Código de Processo Civil
e pelo Código Civil de defender os interesses do interditando (salvo
quando o próprio MP é o autor da ação) não somente é compatível, mas
encontra-se textualmente inserida em finalidade institucional, prevista
na Constituição, de defesa de interesse individual indisponível",
concluiu a relatora.
REsp n. 1.099.458