Foi com as reformas iluministas, segundo informa Luigi
Ferrajoli, que a defesa técnica, reduzida nos anos da Inquisição a “uma arte
baixa de intrigas”, assumiu a forma moderna de patrocínio legal obrigatório. A
importância da defesa técnica é reconhecida também pelo nosso Código de
Processo Penal (CPP) quando proclama que “nenhum acusado, ainda que foragido,
será processado ou julgado sem defensor” (art. 261) e, ainda, “se o acusado não
o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando-o seu direito de, a
todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso
tenha habilitação” (art. 263).
Assim, verifica-se que a defesa técnica trata-se de direito
irrenunciável e indisponível. Decorre do próprio contraditório, da igualdade
entre as partes e da paridade de armas que ao acusado seja assegurado um
defensor habilitado, ou seja, um advogado. Jeremy Bentham, apud Ferrajoli,
afirmou que os cidadãos “poderiam cuidar de suas causas judiciárias como todos
geram seus negócios”, e, neste caso, a autodefesa seria suficiente. Contudo,
“onde a legislação é obscura e complicada e o processo é empedernido de
formalidades e nulidades”, é indispensável e necessário à defesa técnica de um
advogado profissional “para restabelecer a igualdade das partes quanto à
capacidade e para contrabalançar, por outro lado, as desvantagens ligadas à
inferioridade da condição de imputado”.
Deste modo, além da autodefesa que é exercida pelo próprio
acusado, como corolário do princípio da ampla defesa consagrou-se a defesa
técnica.
A defesa técnica deve ser exercida por um advogado criminal,
com conhecimento técnico-jurídico e com o devido preparo para se pôr em defesa
da liberdade alheia. Como salientam os processualistas Rubens R R Casara e
Antonio Pedro Melchior, de nada valeria “alçar a defesa a um dos pilares
estruturais do processo penal democrático se, na prática, ela for entregue a
profissionais despreparados e/ou pouco combativos”.
A importância da defesa técnica, numa perspectiva de direito
público, fica evidenciada no dever do juiz de declarar o acusado indefeso em
caso de ser a mesma insuficiente ou deficiente e lhe garantir o direito de
constituir novo defensor. Não bastando, portanto, a existência formal de um
defensor. Como bem destaca Antonio Scarance Fernandes a defesa deve ser
efetiva, além de necessária, indeclinável e plena.
O constitucionalista José Afonso da Silva ensina que o devido
processo legal está baseado em três princípios, quais sejam: o acesso à
justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. Verdadeiros pilares do Estado
democrático de direito.
Nossos tribunais vez ou outra anulam julgamentos por
considerarem que o réu estava indefeso, mesmo tendo advogado constituído. A
falta da defesa constitui nulidade absoluta no processo penal (Súmula 523 do
STF) e a sua deficiência poderá anular quando evidenciado o prejuízo. A defesa
deficiente, precária, débil ou inepta equivale à sua ausência, é pior, porque
mascara a própria defesa. Por tudo, é que a defesa técnica não pode ser cerceada
ou constrangida. Não é sem razão que a defesa técnica é apresentada como
pressuposto processual de validade.
Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior destacam: “a grandeza
da tarefa pública desempenhada pelo defensor no processo penal pode ser identificada
no fato de esse ator jurídico lutar pela preservação da presunção de inocência
e ser um dos principais responsáveis por vigiar a legalidade do processo”. Mais
adiante, referindo-se ao caráter público da defesa técnica, os eminentes
processualistas reafirmam a independência da vontade do defensor técnico
(advogado) em relação à vontade do imputado segundo evidenciado na Súmula 705
do STF (“a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem assistência
do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta”).
Conforme bem dito pelos citados autores “a independência do defensor é,
portanto, um dos traços mais característicos de sua atuação em um processo
penal democrático”.
A defesa, segundo Ada Pellegrini Grinover, mais que um
direito constitui uma garantia, garantia do acusado de um lado e garantia do
justo processo, do outro. Como condição de regularidade do procedimento
constitui uma garantia na ótica do interesse público.
Hodiernamente, infelizmente, apesar de tudo e de todos,
alguns magistrados com sangue nos olhos e em nome da fúria punitiva vem
atropelando o sagrado princípio constitucional da ampla defesa sem qualquer
parcimônia. A má vontade, para dizer o mínimo, de alguns juízes com a defesa
(acusado e advogado) é evidente. O tratamento desigual entre as partes
(acusador e acusado) é notório. Exemplo recente é a exigência feita por alguns
juízes ao defensor para que este justifique a razão pela qual está arrolando esta
ou aquela testemunha. Deste modo, o julgador presta um desserviço à justiça,
sobretudo, porque a defesa, conforme já dito, é, também e fundamentalmente, de
interesse público.
Em relação às teses defensivas, o juiz pode acata-las ou não,
mas, jamais tentar, ainda que veladamente, limitar e aprisionar a liberdade do
advogado, sobretudo, do criminalista. A liberdade da defesa é inseparável
desta. Sem liberdade não existe defesa que sobreviva e para que a mesma seja
plena é imperioso que seja livre.
Como assevera Geraldo Prado “a legitimidade da atividade
jurisdicional está condicionada ao emprego de técnicas que imunizem o processo
do decisionismo judicial e não iludam quanto à conquista de uma verdade real, o
que só ocorrerá na medida em que sejam assegurados os direitos e garantias
fundamentais, permitindo que acusação e defesa demonstrem a correspondência
entre as teses esposadas e as provas produzidas, com a redução do subjetivismo
inerente a todo julgamento”.
A busca sistemática, incansável e esmagadora pela punição em
nome da repressão penal e de uma fantasmagórica contenção da criminalidade, por
mais difundida e alardeada que seja pela mídia e ambicionada por parte da
sociedade, não pode contaminar os princípios fundamentais e garantistas do
direito penal e processual penal e, muito menos, conspurcar a dignidade da
pessoa humana um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
*Dedico este artigo ao juiz Rubens Casara. Magistrado
humanista e garantista.
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