No Brasil independente, até o momento, vigeram quatro diplomas
processuais civis: o Decreto-lei 737/1850; a Consolidação das Leis de
Processo Civil, de 1876; e os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973.
Dentro de alguns meses, o quinto passará a vigorar: o novo Código de
Processo Civil (Lei 13.105/15). Somente no quarto ordenamento processual
civil (1973), a conciliação tornou-se fase obrigatória do processo. Em
se tratando de direitos patrimoniais de caráter privado, incluindo-se os
direitos de família, em que a lei permitisse a transação, a conciliação
prévia tornou-se obrigatória (artigos 447 e 448). O termo homologado de
conciliação passou a ter o valor de sentença (artigo 449), enquanto que
a sentença homologatória de transação ou conciliação tornaram-se
títulos executivo judicial ou extrajudicial (artigo 584, inciso III).
Vinte
e três anos depois, foi a vez de a arbitragem ser recebida entre nós.
Representou significativa abertura do nosso direito interno, em 1996, a
Lei 9.307 ter possibilitado a resolução por meio da arbitragem de
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, com fundamento
no direito escolhido pelas partes ou na equidade, nos princípios gerais
de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio
(artigos 1º e 2º, parágrafos 1º e 2º); bem como ter possibilitado o
reconhecimento ou a execução no Brasil da sentença arbitral estrangeira,
desde que devidamente homologada (artigos 34 e 35). A recente
promulgação da Lei 13.129/2015 veio aprimorar essa lei. Entre os avanços
propiciados por tal reforma, lembrem-se: a interrupção da prescrição
por força da instituição da arbitragem; a faculdade de o estatuto social
da sociedade anônima conter convenção de arbitragem; o mecanismo claro
para a obtenção de medidas cautelares; a possibilidade de a
administração pública utilizar a arbitragem para dirimir contendas sobre
bens patrimoniais disponíveis; a viabilidade de se exarar sentenças
parciais e complementares; e a consagração indubitável da autonomia da
vontade em matéria arbitral.
Somente quarenta e três anos depois, a mediação seria acolhida solenemente por nosso direito (Lei 13.140/2015).
O
CPC 2015 é um divisor de águas em matéria de solução de diferendos por
consenso. Já em seu capítulo primeiro, dedicado às normas fundamentais
de processo civil, lapidarmente, assevera ser permitida a arbitragem,
na forma da lei; afirma caber ao Estado a promoção da solução consensual
dos conflitos; e determina que os operadores do direito deverão
estimular a solução em tela (artigo 3º, respectivamente parágrafos 1º,
2º e 3º). Dessa maneira recepciona as leis 9.307/1996, 13.129/2015 e
13.140/2015.
Duas semelhanças aproximam os três institutos não
fazer parte da jurisdição estatal e existência de um terceiro. Esse
terceiro, na arbitragem é escolhido pelas partes e prolata a decisão
(heterocomposição). Inobstante seja chamada comumente de “jurisdição
privada”, a doutrina diverge se se trata ou não de jurisdição. Na
conciliação, o terceiro intermedeia, aproximando os contendores para que
se componham, podendo sugerir soluções (autocomposição)[1]. Na mediação, o terceiro também procura que os contendores cheguem a um acordo, mas não propõem soluções (autocomposição)[2]. A diferença entre conciliação e mediação é apenas de grau.
A conciliação é regida pelos artigos 165 a 175 do CPC 2015. A lei 13.140/2015 conceitua a mediação[3]. O CPC 2015, em seu artigo 165, parágrafos 2º e 3º, traça as diferenças entre conciliação e mediação.
A
demora de nosso ordenamento interno processual em acolher institutos
tão antigos e largamente em voga em muitos estados espelha nossa
tradição contenciosa extremamente arraigada, que contraria a sabedoria
popular: “Mais vale um mau acordo, do que uma boa demanda”.
Apesar
de toda a saga acima descrita, os institutos da conciliação, mediação e
arbitragem não eram ou não deveriam ter sido desconhecidos dos
brasileiros, anteriormente à década de 70 do século passado, em virtude
de serem utilizadíssimos na esfera do direito internacional público e do
direito do comércio internacional. Os alunos dos cursos jurídicos, em
cujo currículo figurava o direito internacional, estudavam tais
institutos na rubrica “solução pacífica de litígios”, que se haviam
tornado os únicos meios lícitos de resolvê-los, depois que a guerra
deixou de ser legal, por força, primeiramente, do Pacto de Renúncia à
Guerra, também chamado de Pacto Briand-Kellog (1928), e, a seguir, em
âmbito mais universal, da Carta da ONU (1945). A Faculdade de Direito da
USP, desde inícios da década de 1970, vem oferecendo, como disciplina
autônoma, a mediação e a arbitragem no cenário internacional. Por outro
lado, os que se dedicavam ao comércio e aos contratos internacionais
sabiam da importância prática desses institutos alhures e se viam às
voltas com as dificuldades por que tais contratos passavam no Brasil,
devido à falta de tradição interna para utilizar ou reconhecer tais
institutos. Certamente, foi da luta para reverter essa situação que
derivou a modernização de nosso direito, tornando-o mais consentâneo
com a prática internacional e, consequentemente, saldando-se parte do
“custo Brasil”.
Quando do recente interesse do Legislativo pela
arbitragem e pela mediação, que floresceu sob a forma de novas leis,
especialistas, bem como meios de comunicação os chamaram, por vezes, de
“meios alternativos de solução de controvérsias” e atribuíram a eles o
condão de desafogar a Justiça imersa em milhões de processos em
andamento. Com referência à denominação, frise-se que seria melhor se
falar em meios de solução consensual, como o faz o CPC; pois “meios
alternativos” parte do pressuposto que a jurisdição estatal (ação
julgada pelo poder judiciário) seria o meio por excelência, enquanto os
demais seriam subsidiários ou secundários! Em relação à redução dos
processos na Justiça, é óbvio que a utilização crescente dos três
institutos em tela contribuirá para diminuir o número dos processos
judiciais em curso. É preciso, entretanto, considerar que, por sua
natureza, grande parte dos processos não são suscetíveis de serem
dirimidos por esses meios; por outro lado seu sucesso depende de tempo,
para que se arrefeça o sentimento de litigiosidade muito forte entre
nós. Levar o ex-adverso às barras dos tribunais, dá para muitos sensação
inebriante de poder!
É fundamental não se imaginar que os meios
consensuais de solução de litígio poderão resolver a situação de asfixia
de, praticamente, todos os cartórios judiciais do País. Os verdadeiros
grandes vilões não podem ser esquecidos, nem escondidos sob cortina de
fumaça.
Pesquisa do Conselho Nacional de Justiça apontou os quatro
maiores litigantes nacionais junto à Justiça Federal: o Instituto
Nacional do Seguro
Nacional, a Caixa Econômica Federal, a União Federal e a Fazenda
Nacional. Os setores públicos (federal, estadual e municipal) e bancário
são os campeões de ações no Judiciário em geral, respondendo sozinhos
por 76% dos processos em curso. Não há necessidade de se esmiuçar mais
as pesquisas acima, para se concluir que, sem se atacar fortemente esse
problema, que somente atingiu o ápice em razão da inércia, histórica e
cômoda, de nossos governantes, nem a relativa simplificação que o CPC
2015 trará, nem a popularização dos meios consensuais de solução de
litígios lograrão tornar nossa Justiça digna, realmente, desse nome!
[1]
Art. 165 do CPC 2015: “§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente
nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá
sugerir soluções para o litígio, ...”
[2]
Art. 165 do CPC 2015: “§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos
casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos
interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de
modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar,
por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
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