Contrariando decisão anterior do ministro Teori Zavascki, do STF
(Supremo Tribunal Federal), e parecer do procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, concedeu
liminar devolvendo cargo em cartório de Goiânia para tabelião afastado
por decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O caso foi decidido
durante o recesso do Judiciário, na última quinta-feira (14), quando o
presidente ainda estava na Corte decidindo casos de urgência.
Questões como a de Sampaio não são isoladas. Fazem parte de uma
pendenga judicial que se arrasta há alguns anos. Enquanto algumas
associações lutam pela obrigatoriedade do concurso público para assumir
um cartório, outras entidades buscam a efetivação de titularidades sem
essa obrigatoriedade, seguindo uma tradição do início da instalação dos
cartórios, dos tempos do Brasil colonial, em que sua propriedade era
vitalícia e hereditária – passava de pai para filho.
Em agosto de
2015, a Câmara aprovou em primeiro turno a PEC dos cartórios. Na
prática, a proposta efetiva, sem a necessidade de concurso público,
funcionários que comandavam provisoriamente os cartórios. No entanto,
ainda depende de mais uma análise pela Câmara e depois seguirá para
aprovação no Senado.
A PEC efetiva como titulares, sem concurso
público, cerca de 5 mil responsáveis por cartórios. A proposta de emenda
constitucional, que muitos consideram um “trem da alegria”, concede
titularidade aos que assumiram os cartórios até 20 de novembro de 1994 e
estejam à frente do serviço há, no mínimo, cinco anos ininterruptos. No
caso, a decisão de Lewandowski acaba seguindo a mesma linha.
O titular era o pai
Afastado do cargo de titular do 1º
Tabelionato de Protestos e Registros de Títulos e Documentos de Goiânia
em 25 de maio de 2013, Maurício Borges Sampaio tentava por meio de
mandado de segurança impetrado no STF, ainda na época, reintegração no
cartório que era de titularidade de seu pai. Com a liminar concedida a
Sampaio, o atual tabelião, Naurican Lacerda, que, com o afastamento de
Sampaio, conseguiu a titularidade do cartório por meio de concurso
público, terá que deixar o cartório até segundo entendimento.
Procurado pelo Fato Online,
Lacerda se disse surpreso com a decisão de Lewandowski, já que o
afastamento de Sampaio também havia sido determinado por uma outra
decisão em ação por improbidade pela Justiça goiana. Para ele, o
ministro não levou em consideração essa questão e não teve conhecimento
do andamento do caso e de outras ações que Sampaio já perdeu na Corte e
em outras instâncias.
“Causa estranheza a decisão liminar do
ministro Lewandowski. Certamente o presidente do Supremo Tribunal
Federal não sabia que há outra decisão em ação de improbidade
determinando o afastamento do ex-interino e que o cartório já havia sido
provido por um titular concursado, que teve de renunciar ao seu cargo
anterior para assumir esse cartório”, ressaltou Lacerda.
Após a
decisão concedida por Lewandowski, o atual tabelião também entrou com
pedido na Corte para que a decisão fosse reanalisada pelo tribunal. A
expectativa de Lacerda é que a vice-presidente do STF, Cármem Lúcia, que
está tomando decisões em casos urgentes desde segunda-feira (18), possa
reverter o caso.
Estado de saúde
Apesar de o mandado de
segurança tramitar desde 2013, a urgência alegada pela defesa de
Sampaio, para que o caso fosse analisado durante o recesso por outro
ministro que não o relator, foi embasada em seu estado de saúde e
justificada na necessidade de “maiores cuidados medicamentosos e
alimentares”.
“Desde o seu afastamento, o impetrante deixou de
perceber os emolumentos devidos pelo exercício da função, passando a
subsistir com o que amealhou ao longo dos anos. Ocorre que os gastos do
impetrante foram majorados, pois se encontra em tratamento médico, por
disfunção cardíaca, necessitando de maiores cuidados medicamentosos e
alimentar”, sustentam os advogados de Sampaio.
A questão, no
entanto, é que a liminar concedida por Lewandowski contraria diversas
outras decisões do próprio STF. Isso porque Sampaio já tentou retornar
ao cartório com pelo menos quatro ações no STF e todas tiveram decisões
contrárias. Além disso, a própria liminar concedida já havia sido negada
por Teori, relator do caso no Supremo, que, ao negar, havia pedido
manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Em 2014,
Janot alegou que Sampaio já teve pedidos negados pelo CNJ e pelo STF.
Além disso, ressaltou que a decisão do ministro Gilson Dipp, do CNJ, que
declarou vacância da serventia, é válida e que o órgão é responsável
pelo controle e fiscalização de atos do Judiciário. No pedido inicial de
Sampaio, ele alega que o CNJ não tem titularidade para tirá-lo do cargo
e afirma que o órgão tem funções “meramente administrativas”.
“O
Conselho Nacional de Justiça tem atribuições meramente administrativas.
Não tem o poder de invalidar ou mesmo obstaculizar o cumprimento de
decisões judiciais. Quanto ao Corregedor Nacional de Justiça a inaptidão
é ainda mais latente, pois ele sequer tem poder decisório. Atua como
órgão executivo das decisões, obviamente colegiadas, do Conselho
Nacional de Justiça”, defendeu.
Pela Constituição, exige-se o
concurso público para o provimento de serventias extrajudiciais,
ressalvados os direitos de assunção ao cargo pelos substitutos das
“serventias extrajudiciais” e do “foro judicial” que contassem com cinco
anos de exercício, na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983.
Concurso público
A
Constituição Federal de 1988 estabeleceu a necessidade de concurso
público de provas e títulos, tanto para o ingresso quanto para a
remoção, nas serventias extrajudiciais. No entanto, existem algumas
exceções à regra, como: ser substituto na serventia; contar, até 31 de
dezembro de 1983, com cinco anos de exercício de substituição na mesma
serventia, cuja titularidade postula; a ocorrência da vacância da
titularidade da serventia até 5 de outubro de 1988.
Sampaio
assumiu o cartório sem prestar concurso público, por meio de ato
administrativo do presidente do Tribunal de Justiça de Goiás com efeitos
retroativos à data da vacância, que ocorreu no dia 3 de maio de 1978,
em decorrência do falecimento de seu pai. Para o CNJ, o requisito de
cinco anos de substituição anterior a 31 de dezembro de 83 não foi
constatado. Sampaio afirma que exerce substituição desde 1977 e que
decisão de um tribunal goiano já foi favorável a ele. O CNJ só reconhece
a substituição desde 1982.